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ARTIGO
O frio siberiano atinge a energia da Rússia
FIONA HILL
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
Em uma reunião de outra forma corriqueira entre o presidente russo, Vladimir Putin, o
chanceler alemão, Gerhard
Schröder, e empresários russos e
alemães, na semana passada, na
região dos Urais, Putin fez uma
admissão notável. Em referência à
exigência da União Européia de
que a Rússia elevasse seus baixos
preços internos de eletricidade e
gás, levando-os a patamares
mundiais, caso deseje aderir à
OMC (Organização Mundial do
Comércio), o presidente russo
respondeu que "isso é impossível.
Poderíamos causar o colapso de
toda a economia russa".
A maior parte dos observadores
desconsiderou essa declaração,
encarada como mais um exemplo
de exagero defensivo tipicamente
russo. Mas Putin está absolutamente certo. Seria impossível para a Rússia permitir que os preços
internos da energia fossem ditados por forças de mercado.
A economia do país depende
quase integralmente da provisão
de petróleo, gás e eletricidade a
baixo custo. E depende também
de receitas orçamentárias geradas
por vendas de energia no exterior,
a preços mais altos, de mercado
mundial. Na verdade, a Rússia está aprisionada entre os imperativos de um sistema de duplo preço
para a energia.
A energia é a grande questão de
política interna e externa para a
Rússia. O petróleo e o gás natural
respondem por cerca de um quarto do PIB (Produto Interno Bruto) russo, cerca de metade das receitas de exportação do país e
mais ou menos um terço da arrecadação tributária do governo.
Cada dólar de aumento no preço mundial do petróleo se traduz
em até US$ 1,5 bilhão ao ano em
arrecadação adicional para o orçamento federal russo. Excetuadas as armas nucleares, o petróleo
e o gás natural são os grandes ativos estratégicos de que dispõe a
Rússia. O país conta com a terceira maior reserva mundial de petróleo e ocupa a primeira posição
em reservas de gás natural.
Conflitos
Mas, como Putin certamente sabe, existem muitas demandas
conflitantes quanto à energia na
Rússia. A energia precisa alimentar o desenvolvimento econômico do país, aumentar sua influência no exterior e satisfazer as aspirações das empresas russas a
competir com as grandes companhias petrolíferas mundiais. O
mais importante é que os recursos
naturais russos precisam manter
cidades e indústrias funcionando
em algumas das regiões mais frias
do planeta. Falando francamente,
petróleo, gás natural e eletricidade a baixo preço é que mantêm vivos os cidadãos no inverno.
Hoje, ainda há concentrações
populacionais e fábricas na Rússia em locais onde os planejadores
comunistas as instalaram e não
onde o bom senso ou as forças de
mercado as teriam estabelecido.
Entre os anos 30 e os anos 80, a
União Soviética desafiou a natureza e lançou imensos projetos de
industrialização e urbanização na
Sibéria. Os custos dessa empreitada agora se tornaram aparentes.
O assentamento em massa desse
território imenso e rico em recursos naturais, mas frio demais para
a vida, significa que há quase 40
milhões de pessoas vivendo e trabalhando em cidades russas nas
quais a temperatura média em janeiro varia de 15 a 45 graus negativos. Das cidades com pelo menos
1 milhão de habitantes que são
consideradas as mais frias do
mundo, as nove primeiras da lista
estão localizadas na Rússia.
Nos outros países setentrionais,
as pessoas abandonaram as regiões mais frias em troca de climas mais amenos, ao longo da última década, mas os russos continuam congelados no lugar. A migração para a Rússia européia, para regiões mais quentes onde o
potencial de crescimento econômico é maior, é reduzida pelas
restrições de assentamento em
Moscou e pela falta de empregos e
de habitação em outras cidades.
Custo alto
A Sibéria é um fardo para a economia russa. O custo de vida lá é
quatro vezes mais elevado do que
no resto do país, e os custos de
produção industrial são ainda
mais altos, em termos relativos.
Os residentes das cidades siberianas ganham menos de 8% dos
salários obtidos pelos trabalhadores de Moscou. As indústrias locais (excetuados o petróleo e o gás
natural) vacilam à beira da bancarrota. A maioria das pessoas e
das empresas não consegue sequer pagar as contas de energia.
Mesmo com os baixos preços
internos, o governo russo ainda
banca os custos do combustível
enviado no inverno às regiões
mais frias do país, o que consome
cerca de US$ 700 milhões ao ano.
Assim, Putin está certo. A desregulamentação dos preços da
energia e o aumento do custo dos
serviços básicos seriam catastróficos. Na Sibéria, o aquecimento é
literalmente uma questão de vida
ou morte. Nenhum governo russo
permitiria que as empresas de infra-estrutura punissem os inadimplentes cortando-lhes a energia. Na verdade, nem os governos
municipais e muitas indústrias
conseguem pagar as contas de
energia.
Esse estado de coisas não é sustentável. O país não tem condições de subsidiar a Sibéria. O dilema é como reduzir a população
das cidades e indústrias siberianas e transferir pessoas e empregos de volta a regiões menos frias.
Esse será um desafio ainda maior
para a Rússia do que a reforma estrutural da década passada.
Fiona Hill é pesquisadora sênior da
Brookings Institution e co-autora, com
Clifford Gaddy, de "The Siberian Curse:
How Communist Planners Let Russia Out
in the Cold" ("A Praga Siberiana: Como
os Planejadores Comunistas Colocaram
a Rússia Numa Fria"), que será publicado
em breve.
Tradução de Paulo Migliacci
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