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GANÂNCIA INFECCIOSA
Negócios feitos pelo presidente com ações de empresas nos anos 80 e 90 não foram investigados
Mídia dos EUA escondeu fraudes de Bush
HAROLD EVANS
Por que as atividades do petroleiro George W. Bush nas décadas
de 1980 e 1990 deveriam ser assunto de manchetes hoje é um
mistério. O mistério não é o que
realmente aconteceu. É claro que
no caminho para ganhar cerca de
US$ 16 milhões Bush burlou leis
do mercado acionário, pisoteou
direitos alheios e encontrou proteção entre os amigos de seu pai.
Mas o verdadeiro mistério, e ele é
tão importante numa democracia
quanto o que Bush sabia e quando ele o soube, é algo que se consagrou através do "curioso incidente" do cão que despertou o interesse de Sherlock Holmes em
"Silver Blaze". "Mas o cachorro
não fez nada", protestou Watson.
"Mas aí é que está a questão", disse Holmes: "Por que o cachorro
não latiu na noite do assassinato?"
O "curioso incidente" em relação aos negócios obscuros com
ações feitos pelo presidente é por
que o cão de guarda da mídia não
"latiu" durante a eleição presidencial de 2000, quando surgiram
novas evidências desfavoráveis
um mês antes da eleição. Mesmo
hoje essa não é uma questão que a
mídia esteja interessada em investigar, o que no mínimo demonstra um talento consistente para a
inércia. De fato, se hoje há um esforço entre os mais omissos é para
encobrir sua inépcia, reinterpretando o que fizeram ou sugerindo
que a história não tem grande importância, de qualquer modo, e
nunca teve.
Em 1991 soube-se que Bush,
quando era diretor da Harken
Energy, fez uma venda privilegiada de ações da companhia em junho de 1990. Ele descarregou mais
de 200 mil ações por US$ 848.560
pouco antes de a empresa divulgar um prejuízo trimestral de
US$ 23 milhões e suas ações despencarem. A história é que um investidor institucional -uma fada
madrinha sem nome com um
dom para o momento certo- ligou para o corretor de Bush exatamente no momento em que ele
precisava de US$ 600 mil para
uma participação minoritária nos
Texas Rangers. Foi essa participação que ele vendeu em 98 por
US$ 16 milhões. A Comissão de
Valores Mobiliários (SEC), ao
examinar o negócio, não fez qualquer acusação.
Mas isso foi naquela época. Durante a eleição presidencial, uma
investigação mais completa foi
realizada por um grupo de jornalistas num momento em que
Bush dizia que iria dirigir a Casa
Branca como uma empresa. Os
repórteres concluíram que o modelo empresarial do candidato era
desconfortavelmente próximo
das práticas empresariais que
atualmente causam tanto escândalo. Mas o público não pôde pesar essa conclusão antes de votar
para presidente porque a imprensa deixou de divulgar os fatos.
As revelações, em parte baseadas em documentos obtidos por
força da Lei de Liberdade de Informação, foram publicadas na
revista "Talk" um mês antes da
eleição. (Declaro que aqui tenho
certo interesse, pois a revista era
editada por minha mulher, Tina
Brown). A reportagem foi obra de
dois repórteres da revista, Bill Minutaglio e Nancy Beiles. Eis o que
eles relataram:
Primeiro, Bush tinha feito não
apenas uma, mas quatro transações com ações da Harken, no valor de mais de US$ 1 milhão, entre
a época em que entrou para o
conselho da empresa e o início da
investigação da SEC.
Segundo, Bush teve acesso a
mais informações [do que se relatara anteriormente" de que a Harken estava falindo financeiramente na época em que ele se livrou da maior parte de suas
ações, em 22 de junho de 1990. A
SEC nunca questionou a declaração de Bush de que ele não fazia
idéia de que a empresa estivesse
enfrentando dificuldades. Mas a
"Talk" citou documentos mostrando que Bush tinha sido advertido de que a companhia passava
por graves problemas financeiros
pelo menos duas vezes no mês em
que ele efetuou as vendas.
Os repórteres também mostraram que Bush e seus colegas diretores da Harken realizaram manobras contábeis que são uma
imagem espelhada das práticas de
seus amigos na hoje infame
Enron. Como não desejava divulgar prejuízos maiores que os esperados para 89, a Harken vendeu
80% de uma de suas subsidiárias,
a Aloha Petroleum, para um grupo de pessoas com acesso a informação privilegiada da Harken
por um preço inflado -transação que mascarou as perdas e impulsionou o preço das ações
quando eles venderam suas participações pessoais. Meses depois
de Bush vender suas ações, a SEC
ordenou que a Harken refizesse
seu balanço para refletir um prejuízo líquido de US$ 12,5 milhões
em 1989, quatro vezes mais do
que o divulgado originalmente.
A reportagem da "Talk" revelou
novos detalhes sobre as práticas
que Bush e seus parceiros de beisebol do Texas Rangers usaram
para explorar o poder do Estado e
se apossar de 110 hectares de terras particulares em Arlington, cuja maior parte não se destinava ao
novo estádio, mas à especulação
comercial privada. Isso era muito
diferente de sua promessa de "fazer o possível para defender o poder da propriedade privada e os
direitos de propriedade privada".
Tudo isso e mais, incluindo as
ligações da família Bush com a
SEC, eram material incendiário
na corrida para a eleição de 2000.
Surpreendentemente, tudo foi ignorado. A imprensa de elite, notadamente "New York Times",
"Washington Post", "Wall Street
Journal" e outros, juntamente
com os grandes noticiários na televisão e no rádio e as principais
revistas, deixaram de divulgar as
revelações sobre a Harken.
Não é que as fontes das notícias
não tenham se esforçado para
chamar a atenção. O Centro para
Integridade Pública emitiu um
comunicado de imprensa e colocou a história em seu site; o mesmo fez a "Talk". A campanha de
Gore distribuiu informes. Nada.
Ninguém assumiu o desafio.
Por quê? Porque uma imprensa
que durante anos chicoteou o cavalo morto de Whitewater ficou
tão indiferente a uma história
maior e mais recente? Por que ela
não investigou, mesmo que fosse
para desmentir as alegações?
Três motivos se apresentam,
nenhum deles edificante. A eleição de 2000 foi notória pela maneira como os principais repórteres se limitaram a uma narrativa
totalmente impermeável às verdadeiras notícias: a narrativa de
que Gore era um fanfarrão e um
afetado, e Bush era um amável
Forrest Gump. Qualquer coisa
que não se encaixasse no padrão
preconcebido tinha pequena probabilidade de ser impressa ou veiculada. Durante toda a campanha
os repórteres políticos e seus editores estiveram geralmente menos preocupados com a integridade de Bush do que com a preferência de Gore por roupas em
tons de terra.
Em segundo lugar, eles foram
ávidos por versões quando os diretores da campanha republicana
habilmente forneceram o material necessário para manter vivo o
estereótipo de Gore.
Finalmente, sem dúvida houve
um elemento de preconceito pessoal e político contra Clinton e
Gore. O então diretor da CNN
disse que a rede "não sonharia em
tocar" na história; isso seria injusto com Bush, tão perto da eleição.
Era de se esperar que a página editorial com viés direitista do "Wall
Street Journal" mostrasse uma
preocupação semelhante por seu
candidato, mas nesse caso a solicitude parece ter-se estendido para as páginas de notícias.
É claro que ainda há perguntas
não respondidas. Talvez existam
ótimas explicações em documentos não examinados. O próprio
presidente Bush agora lembrou
que talvez a SEC não tenha perdido seus documentos, como ele
afirmou em 1991. Hoje seu porta-voz da Casa Branca culpa "uma
confusão dos advogados", e o
próprio Bush disse: "Ainda não
entendi isso totalmente". Ele poderia perguntar ao homem que o
representou na investigação da
SEC, um certo Robert Jordan, que
hoje é seu embaixador na Arábia
Saudita. Melhor ainda, divulgar
todos os seus documentos e explicar nesse contexto o que ele quer
dizer com: "No mundo corporativo, algumas coisas não são exatamente preto no branco".
Nenhum dos oligarcas da imprensa que falhou perante o público em 2000 admitiu sua falha
ou organizou uma retratação adequada. Ninguém ainda perguntou sobre os outros processos
posteriores e nem se incomodou
em registrá-los. Não é preciso
muita criatividade para imaginar
o furor da mídia se esses detalhes
tivessem surgido sobre Clinton e
Whitewater. Mas o "Washington
Post", que perseguiu Clinton com
tanto zelo, ainda pede que o Congresso e outros na imprensa não
se deixem "distrair" pela Harken.
O "New York Times", na pessoa
do colunista Paul Krugman, está
mostrando uma preocupação retardada, mas nada da energia desenfreada que manifestou em relação a Whitewater. "The Wall
Street Journal" deu uma versão
incorreta de sua própria negligência, reivindicando num editorial
em 10 de julho uma vigilância que
jamais exibiu na época.
Sim, é claro, deveríamos saber
disso; os escândalos econômicos
são sempre culpa do mau exemplo dos democratas. Aquela chupada [referência ao escândalo sexual que envolveu Clinton", você
pode acreditar, destruiu a fibra
moral de uma geração de empresários americanos e, ao que parece, o senso de prioridade dos melhores profissionais da imprensa.
Harold Evans foi editor do "Sunday
Times" e do "Times" de Londres.
Também é autor de "The American
Century". Este artigo foi publicado
originalmente no "Observer" de
Londres.
Tradução de Luiz Roberto Gonçalves
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