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ANÁLISE
Economia americana: crise do capitalismo ou ataque de nervos?
JOÃO MARCUS MARINHO NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nas últimas semanas, têm
sido frequentes os comentários sobre a crise do capitalismo,
talvez mortalmente ferido pelas
fraudes e falcatruas que atingiram
o coração do sistema: o mercado
de capitais americano.
No entanto, muito provavelmente, daqui a algum tempo, perceberemos que as conseqüências
desses eventos, longe de serem
mortais, terão servido para tornar
o regime capitalista, baseado no
sistema de mercado, mais forte e
eficiente.
Para que se possa vislumbrar esse "dénouement" favorável para a
chamada "crise de confiança" que
se instaurou nos mercados, é preciso entender o processo seguido
pela economia dos EUA.
Inicialmente, é necessário desmistificar conceitos vazios como
o de que o resultado colhido é
conseqüência direta do "estouro"
de um "conjunto de bolhas" na
economia americana a "bolha do
crescimento insustentável" ou a
"bolha das Bolsas" que foram, e
continuam sendo, manchetes freqüentes de reportagens e análises.
Também é necessário desconsiderar análises que apelam para
uma "dose cavalar de sorte" para
explicar a expansão americana
dos anos 1990, caracterizada por
taxas de desemprego e inflação
em queda e crescimento robusto
da produtividade e dos níveis de
atividade econômica, com a "sorte" advinda do fato de que essas
manifestações seriam, em teoria,
inconsistentes.
A evolução da produtividade
americana, que surpreendeu a todos, especialmente porque apresenta aceleração num estágio
avançado do ciclo de crescimento
que teve início, segundo o National Bureau of Economic Research
(NBER), em meados de 1991, é
perfeitamente consistente com o
comportamento observado da
Bolsa, do câmbio, dos juros e do
saldo em conta corrente do balanço de pagamentos, estando essas
variáveis-chave, portanto, longe
de configurarem uma "bolha", refletirem elementos de "sorte" ou
diagnosticarem sintomas de grave desequilíbrio. Nesse contexto,
aliás, quem teve "sorte" foi o resto
do mundo, que graças ao desempenho da economia americana,
teve as pressões recessivas causadas pela sucessão de crises da segunda metade da década dos anos
1990 sensivelmente amortecidas!
Era curioso observar Greenspan, em 1996, surpreendendo-se
com a simultânea queda da taxa
de desemprego e redução da inflação, e atribuindo o fato ao "medo" dos trabalhadores em demandar aumentos salariais. De
fato, entre 1987 e 1997, enquanto a
produtividade crescia, a remuneração real do trabalho manteve-se, essencialmente, constante.
Durante esses 10 anos, pode-se
assim dizer, os benefícios dos ganhos de produtividade nos Estados Unidos fluíram direto para o
capital (lucros). A partir de meados de 1997, a situação muda radicalmente, com a remuneração
real do trabalho evoluindo de
acordo com a produtividade.
Nesse momento, em contrapartida, os lucros das corporações
americanas, como calculados nas
Contas Nacionais a partir das declarações de imposto de renda, e
que estão livres das "maquiagens"
presentes nos balanços divulgados por estas mesmas corporações, param de crescer. Alguns
meses depois, no início de 1999, a
Bolsa (representada pelo Dow Jones) também pára de crescer. Ou
seja, o mercado não é "bobo" e
nem foi acometido de uma "exuberância irracional". As figuras
abaixo ilustram
Entre 1999 e imediatamente antes do ataque terrorista em setembro de 2001, apesar da estagnação
das Bolsas (e dos lucros), o dólar
apreciou-se, significativamente,
com relação ao euro (e outras
moedas) e os juros, curtos e longos, subiram e, posteriormente,
caíram, refletindo a situação da
economia real. Mais recentemente, o comportamento dos mercados reflete os choques à confiança
que se acumularam nos últimos
meses. Nas últimas semanas, as
fortes quedas das Bolsas mundiais, do dólar e dos juros longos,
são consistentes com esse ambiente, nada tendo a ver com estouros de "bolhas" e "desequilíbrios" em conta corrente.
Um preceito básico em economia, é o de que os agentes econômicos reagem a incentivos. Assim, ao verem os lucros estagnarem, os diretores e gerentes das
grandes corporações, que tinham
seus proventos atrelados ao desempenho das ações das suas empresas, maquiaram seus balanços,
mantendo o nível dos seus ganhos. Em outras palavras, os incentivos estavam errados. Se esse
for o caso, todo o esforço deve se
concentrar em restaurar a confiança, muito mais por mecanismos de mercado, mudando incentivos, do que por novas legislações regulatórias. Com isso, dado
os fundamentos econômicos da
economia americana, os mercados reagirão positivamente, e a
tantas vezes decantada "crise do
capitalismo", mais uma vez, vai se
esvair.
JOÃO MARCUS MARINHO NUNES,
economista, é sócio da ForeSee Asset
Management, professor do IBMEC e autor de "O Vôo da Águia: A Economia
Americana no Fim do Milênio". Ed. Saraiva 2002
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