São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2008

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MARCOS CINTRA

O "affair" Daniel Dantas


Se a Justiça fosse mais eficaz, a ânsia por punições midiáticas exemplares seria saciada pela certeza das condenações

ECONOMISTA festejado, estudou no MIT, onde o famoso professor Dornbusch afirmava ter sido seu melhor aluno em toda a sua carreira. Cercado de admiradores influentes, como Mário Henrique Simonsen, galgou degraus no mundo empresarial durante os anos 90. Foi confidente, consultor e quem sabe até co-autor na elaboração dos planos de estabilização econômica com importantes economistas, como André Lara Rezende e Pérsio Arida. Enfim, uma carreira brilhante, mas que tragicamente descambou para o lado oculto da vida empresarial.
Contudo Daniel Dantas e seus sequazes podem deixar um legado didático para o país.
Sua prisão abriu uma intensa discussão sobre a Justiça. O cidadão sente-se inseguro quando sua privacidade e sua liberdade são subitamente ameaçadas por grampos e por ações policialescas espalhafatosas.
Mas, por outro lado, o homem comum sente-se agredido ao ver que o mal campeia solto e que a impunidade estimula a criminalidade.
O mais notável na discussão que seguiu as prisões e solturas sucessivas de Daniel Dantas é que, de todas as posições do espectro ideológico, ouvem-se manifestações tanto de apoio como de crítica à Polícia Federal, ao STF, aos métodos autoritários da polícia e à excessiva complacência da Justiça.
Todos têm suas razões.
Quem pode criticar o ministro Gilmar Mendes quando afirma que "é necessário que o ato judicial constritivo de liberdade especifique, de modo fundamentado, elementos concretos que justifiquem a medida"?
Como discordar de Vinicius Mota, na Folha do dia 13 último, quando afirma que "a prisão, antes de uma sentença, deveria ser exceção, e não regra, como está se tornando"? Ou como não dar crédito ao alerta de Alberto Zacharias Toron, que na mesma edição relembra que "o combate à criminalidade deve ser feito dentro dos marcos da legislação e com a rigorosa observância do devido processo legal, pois, do contrário, campeará o autoritarismo de quem se julga intérprete dos interesses do povo"?
Por outro lado, ante a inoperância, a ineficiência e a incrível morosidade do Poder Judiciário brasileiro, o princípio basilar dos direitos dos cidadãos, de não ser punido sem julgamento, assume ares de privilégio e na prática garante impunidade aos criminosos.
Estão certos, portanto, os que exigem mais rigor e se insurgem contra a leniência da Justiça, pois concretamente implica impunidade, principalmente para os ricos e poderosos. Assim, como discordar de Frei Betto, que também na mesma edição da Folha diz: "Agora nem o flagrante merece punição (...) o círculo vicioso se confirma: a polícia prende, a Justiça solta. E alguns disso se aproveitam e fogem. Ou a pena prescreve, sacramentando a impunidade"? Como não dar ouvidos a Eliane Cantanhêde, ainda na mesma edição do jornal, quando afirma que "o povão está cansado de lero-lero e de ver os céus coalhados de gaviões e as gaiolas entupidas de pardais"?
O trágico nessa situação é que todos estão certos. A situação é que está dramaticamente errada. Com Justiça morosa e ineficiente, o devido processo legal, que é precioso direito dos cidadãos, acaba se transformando em privilégio dos malfeitores.
Se a Justiça fosse mais rápida e mais eficaz, certamente essa ânsia por punições midiáticas exemplares seria saciada pela certeza das condenações tempestivas e a crise entre magistrados e opinião pública não teria razão de ser.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org


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