|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Brasil fornece precatórios para mercado de alto risco
Créditos avaliados em R$ 100 bi atraem investidores nacionais e estrangeiros
Com o mercado "subprime" fechado nos EUA, bancos e fundos arriscam parcela do patrimônio em precatórios, que dão altíssimo retorno
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um mercado de alto risco
que só existe no Brasil começa a
atrair investidores nacionais e
estrangeiros. Com o mercado
de títulos "subprime" (segunda
linha) fechado nos EUA, bancos e fundos dispostos a arriscar uma parcela de seu patrimônio descobriram no Brasil
papéis de altíssimo retorno: os
precatórios, créditos expedidos
pela Justiça, originários de processos contra o poder público e
sem possibilidade de recurso.
O STF (Supremo Tribunal
Federal) calculou há três anos
que União, Estados e municípios deviam R$ 64 bilhões em
precatórios, mas o montante
estimado hoje é de R$ 100 bilhões -valor equivalente ao do
superávit primário de 2007.
Desse total, cerca de R$ 10 bilhões já fazem parte da carteira
de fundos e de bancos estrangeiros do porte do UBS/Pactual, Merrill Lynch, JPMorgan
e Morgan Stanley, entre outros.
Considerados "junk bonds"
(títulos de risco), os precatórios
são comprados com deságios
(descontos) que variam de 15%
a 85% de seu valor nominal, dependendo da previsão de pagamento e da confiabilidade do
pagador.
"É um negócio da China. O
precatório está pegando todo
esse vácuo do "subprime". O investidor estrangeiro ganha com
deságio, juros, correção da inflação e "spread" [adicional pelo
risco]", diz Nelson Lacerda, advogado da Associação dos Servidores Públicos.
Para o advogado Marco Antonio Innocenti, membro da
Comissão de Precatórios da
OAB-SP, a crise nos EUA não
ajudou o mercado de precatórios, mas prejudicou-o por aumentar a aversão ao risco. Innocenti estrutura operações de
venda de precatórios em lotes.
"Precatório não pode ser
comparado com o "subprime"
porque não tem risco de default
[inadimplência]. Não tem possibilidade de não pagar. Tem
sim atraso, daí o deságio."
Nenhum precatório tem data
certa de vencimento -na verdade, já está vencido-, mas os
pagamentos são feitos hoje por
ordem cronológica. Há dois tipos de precatórios: os alimentares (pessoa física), geralmente originários de ações trabalhistas de servidores, e os não-alimentares, de empresas que
ganharam causas em litígios.
Prioridade invertida
Para priorizar o pagamento
dos precatórios alimentares,
uma emenda constitucional de
2000 definiu o parcelamento
dos não-alimentares em dez
vezes. A emenda acabou invertendo as prioridades: sem dinheiro e temendo o seqüestro
de bens (as empresas ganham a
execução se a parcela não for
paga), alguns Estados "esqueceram" na fila os alimentares e
praticamente só pagam as parcelas dos não-alimentares.
Precatórios de maior "rating" (nota), os federais são os
mais procurados no mercado. A
maioria resulta de ações de usineiros. Com valores de mais de
R$ 20 milhões, todos são pagos
em dia. O tempo de espera nunca passa de 18 meses, sendo que
neste ano o governo até adiantou os pagamentos. Há dois
anos, esses precatórios eram
comprados por 50% de seu valor, mas agora dificilmente
saem por menos de 65%.
Em seguida, os precatórios
mais líquidos são os de São
Paulo, Estado que também
mantém em dia o pagamento
parcelado dos não-alimentares.
Para calcular o deságio, o investidor faz uma simulação de
vencimento e traz o pagamento
a valor presente -desconta juros e mais um adicional para
compensar o risco de mudança
na política de pagamento.
Por outro lado, Estados como
Rio Grande do Sul e Paraná têm
mais de R$ 30 bilhões sem previsão de pagamento. Os papéis
são vendidos por 10% do valor.
No caso dos alimentares, um
servidor costuma levar dez
anos para ter seu processo julgado em todas as instâncias e a
sentença virar um precatório.
Depois, deve esperar mais dez
anos na fila até receber o pagamento -ou seja, o ciclo do precatório dura em média 20 anos.
Segundo Lacerda, muitos
servidores já morreram quando o pagamento é feito -o valor
é pago aos herdeiros. Um servidor paulista que vende seu precatório consegue obter entre
25% e 40% do valor nominal.
Desse total, de 10% a 30% ficam
para os advogados, que recebem pelo êxito da ação.
Texto Anterior: Falta de fiscalização tem sido alvo de investigação pelo Ministério Público Próximo Texto: Frase Índice
|