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Redes de varejo e serviços "descobrem" favela
Empresas voltam as atenções para bairros de menor renda, como Paraisópolis, em SP, em busca da classe consumidora emergente
Acordos como o feito pela concessionária de energia em SP permitem que moradores comprovem endereço e tenham acesso ao crédito
JULIO WIZIACK
DA REPORTAGEM LOCAL
Paraisópolis, a favela mais
extensa de São Paulo, está em
processo de transformação,
turbinada pelo aumento da
renda, do emprego e do crédito.
Entre 2006 e este ano, a região
não só viu baixar em dois pontos percentuais o número de
moradores miseráveis -hoje
são 8% do total- como se tornou um pólo comercial na mira
de algumas das mais importantes redes varejistas do país.
A Casas Bahia, que já fazia
entregas nas ruas de Paraisópolis, concluiu a construção de
uma loja que tem porte similar
ao da unidade de Santo Amaro,
uma das mais movimentadas
do grupo. Segundo o presidente
da associação de moradores,
Gilson Rodriguez, ela abrirá no
próximo mês e contará com 60
funcionários. "Essa loja não ficará devendo para nenhuma filial do grupo", diz. Ainda segundo Rodriguez, a Marabraz é outra que abrirá loja na região.
Os cerca de 80 mil moradores, que se concentram numa
área de quase 800 mil metros
quadrados e 17,7 mil domicílios, também contarão com
duas agências bancárias. Pela
primeira vez, desde a fundação
de Paraisópolis, há quase cinco
décadas, será possível efetuar
qualquer transação financeira
na própria comunidade. O Bradesco confirmou a abertura da
sua agência até o fim do ano. A
Caixa Econômica Federal também se comprometeu com a associação dos moradores em
montar a sua. Quando tinha
posto de atendimento no local,
fechado há alguns meses, a média de visitas era de 400 por dia.
A Porto Seguro passou a colocar nas ruas da comunidade
um quiosque itinerante para a
comercialização de seguros de
vida e, mais recentemente, previdência privada. Nesse período, foram vendidas 1.500 apólices, 80% com prêmios de R$ 10
mil, ao custo de R$ 4 por mês.
"A assistência funerária para
a família do segurado contou
muito para a venda desse produto, mas os moradores já começam a entendê-lo como uma
forma de poupança", diz Flávia
Meira, promotora da seguradora. Porém, a operação ainda
não tem fôlego comercial para
assegurar uma agência no local.
Operadoras de TV paga também estão chegando. A Sky começou, há duas semanas, as
vendas de seu pacote pré-pago
por meio de um parceiro que
monta um posto móvel na área.
"E vamos repetir essa experiência em outros bairros de
baixa renda", afirma Agricio
Neto, vice-presidente de marketing e programação.
A Embratel também está de
olho na emergência das classes
D e E para a C. Contratou cerca
de 600 agentes para venderem
o Livre.com em bairros mais
pobres. Estimativas da operadora mostram que há 24 milhões de domicílios de baixa
renda sem telefone fixo no país.
Guilherme Zattar, diretor-executivo de negócios, diz que Paraisópolis é o piloto de um teste
para a venda do Livre.com, que,
por R$ 39,90, oferece serviço
de voz e banda larga na velocidade de 144 Kbps (três vezes
mais rápido que o acesso discado). "O produto esgotou na região", afirma. "Se tivéssemos
mais, teríamos vendido."
Retrato nacional
O que acontece em Paraisópolis se repete em outras favelas que, em ritmo menos acelerado, passaram por processos
de urbanização e regularização
do governo. "Já consideramos
essas áreas como bairros, embora ainda existam favelas ali
no meio", diz Elisabete França,
superintendente de Habitação
Popular da Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo.
Em Heliópolis, as mudanças
também foram drásticas. Mas,
por apresentar uma renda per
capita inferior à dos moradores
de Paraisópolis, ela acabou perdendo a atenção das empresas.
O processo de urbanização
ajudou, mas o fator definitivo
nessa mudança foi um projeto
da AES Eletropaulo. Até 2005,
a concessionária de energia
paulista registrava perdas milionárias decorrentes dos "gatos", gambiarras feitas na rede
para a apropriação indevida da
eletricidade. No ano passado, a
companhia fez uma proposta
aos moradores, condicionando
a regularização do consumo ao
reconhecimento das residências pela prefeitura.
"Com isso, abrimos a porta
do crédito à comunidade na rede varejista porque eles [os moradores] passaram a ter uma
conta com endereço, além de
histórico de pagamento", diz
Luiz José Hernandes, diretor
de Desenvolvimento de Mercado da AES Eletropaulo.
Resultado: a inadimplência
caiu, as ruas estão mais iluminadas, a segurança melhorou e
o bairro floresceu economicamente. "Não é à toa que essas
empresas estão indo para lá. Os
moradores agora são cidadãos
de verdade e estão produzindo,
fazendo dinheiro", afirma.
Dados da concessionária indicam que, no último ano, cerca
de 30% dos habitantes de Paraisópolis subiram de patamar
no consumo energético. "Eles
já têm negócios dentro da própria casa, além de adquirirem
bens como microondas e refrigeradores", diz Hernandes.
Descontando o fim do desperdício de energia (alguns moradores usavam geladeiras sem
porta como ar-condicionado),
o consumo em Paraisópolis aumentou 5%, o que reflete, de
acordo com Hernandes, essa
ebulição econômica.
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