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Mérito da anistia é desafogar a Justiça, dizem especialistas
Se proposta do governo, de cancelar dívidas de até R$ 10 mil for aprovada, Judiciário poderá se dedicar a débitos maiores
Para especialistas, governo não tem outra alternativa diante de tantos processos,
mas lembram que anistia é um prêmio ao mau pagador
MARCOS CÉZARI
DA REPORTAGEM LOCAL
O maior mérito da proposta
do governo, de anistiar as dívidas tributárias de até R$ 10 mil
ao final do ano passado, vencidas há cinco anos ou mais, será
desafogar a Justiça, segundo
avaliam especialistas no assunto consultados pela Folha.
Ao deixar de cobrar as chamadas dívidas de pequeno valor, o governo eliminará cerca
de 2,1 milhões de processos que
hoje tramitam no Judiciário.
Em conseqüência, a Justiça poderá concentrar seus esforços
na cobrança de débitos de
maior expressão.
A proposta foi apresentada
na terça-feira pelo ministro da
Fazenda, Guido Mantega, ao
presidente Lula, e deverá ser
encaminhada ao Congresso,
em setembro, por meio de medida provisória.
O objetivo do governo é promover uma ampla "limpeza"
no estoque total de créditos da
União com o setor privado. Esses créditos são estimados pela
Fazenda em R$ 1,3 trilhão, mas
nesse valor estão incluídas
muitas dívidas irrecuperáveis.
O próprio governo reconhece que o atual sistema de cobrança tributário é ineficiente,
dada a morosidade do Judiciário. A duração média de um
processo tributário no Brasil,
segundo a Fazenda, é de 16
anos, sendo 4 na fase administrativa e 12 na judicial.
Segundo Clóvis Panzarini,
consultor tributário e ex-coordenador tributário da Secretaria da Fazenda de São Paulo, "o
processo de cobrança de dívidas no Brasil é caro e moroso.
Com isso, muitas vezes não vale a pena cobrar, pois o gasto
para isso acaba sendo maior. A
decisão da Fazenda vem para
acelerar esse processo".
O advogado Lázaro Rosa da
Silva, consultor do Cenofisco
(Centro de Orientação Fiscal),
diz que as dívidas de pequeno
valor são praticamente incobráveis por vários motivos:
muitas empresas já fecharam,
outras não têm condições de
pagar, muitos contribuintes
não são encontrados e muitos
já morreram. Assim, "o único
meio que o governo tem para
diminuir o número de processos é através da anistia".
Gilberto Luiz do Amaral, advogado e presidente do IBPT
(Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), diz que
"não compensa movimentar a
máquina administrativa para
cobrar dívidas de pequeno valor". Com a anistia, segundo
ele, "o sistema de cobrança será
direcionado para aquele devedor com débito maior e que
tem condições de pagar".
Segundo o advogado João
Victor Gomes de Oliveira, do
escritório Gomes de Oliveira
Advogados Associados, "além
de desafogar a Justiça, a anistia
aos débitos de pequeno valor
tem o mérito de acelerar os novos processos que forem abertos". Além disso, um menor número de execuções permitirá o
andamento mais rápido dos
processos mais importantes.
Oliveira ressalta um aspecto
não previsto na proposta do governo. Para ele, a lei deveria
exigir que o juiz extinguisse, independentemente do valor, todos os processos paralisados há
mais de cinco anos -a chamada prescrição intercorrente.
"Seria também uma forma de
eliminar as cobranças iníquas."
Para Richard Domingos, diretor-executivo da Confirp
Consultoria Contábil, além de
diminuir as disputas judiciais,
o projeto do governo fará com
que parte da dívida seja recuperada com o parcelamento
das dívidas de maior valor.
Legal, mas condenável
Os especialistas não vêem
problemas, do ponto de vista
legal, na concessão de anistia às
pequenas dívidas. Mas ressaltam que isso acaba sendo um
incentivo aos maus pagadores,
ou seja, é um prêmio a quem
não cumpriu em dia com suas
obrigações tributárias.
Panzarini diz que toda vez
que o governo concede alguma
anistia está estimulando o mau
pagador a não comparecer ao
caixa do banco. "Toda anistia
estimula o mau pagador, que
continuará apostando em nova
anistia no futuro. Toda anistia é
condenável, pois premia quem
não pagou. O perdão desse crime -e não pagar tributo é um
crime tributário- traz injustiça fiscal e prejudica a concorrência", diz Panzarini.
Amaral concorda que as anistias e os parcelamentos trazem
benefícios tanto para quem deve como para quem cobra. Apesar da vantagem a ambos, "isso
[a anistia] faz com que os maus
pagadores continuem apostando na demora da cobrança".
Rosa da Silva diz que mesmo
quem tiver dívidas que não serão anistiadas, por serem maiores do que R$ 10 mil, acabará
sendo beneficiado. É que quem
pagar à vista ou optar pelo parcelamento terá algum desconto
nas multas e nos juros. "Quem
pagou em dia não receberá nada de volta. E quem for pagar
terá vantagem, pois haverá redução de multas e juros."
Domingos também vê a anistia como incentivo aos maus
pagadores e faz com que o empresário que paga em dia se sinta lesado. "O devedor pensará
que não vale a pena pagar corretamente, pois no futuro será
criado um programa para facilitar a sua vida."
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