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COMÉRCIO EXTERIOR
Luiz Augusto de Castro Neves quer aumentar produtos industrializados brasileiros no mercado chinês
Vender mais à China é desafio de embaixador
CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM
Às vésperas de completar 61
anos, o embaixador Luiz Augusto
de Castro Neves começa a enfrentar o maior desafio de seus 36
anos de carreira diplomática: reforçar o relacionamento entre
Brasil e China e aumentar a venda
de produtos industrializados brasileiros para o país asiático.
O salto na venda de soja no ano
passado levou o comércio bilateral a reproduzir o padrão de relacionamento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento,
que Castro Neves chama de "Norte-Sul" -o Brasil vende à China
produtos agrícolas e compra daquele país bens industriais de
maior valor agregado.
Economista com pós-graduação na Universidade de Londres,
Castro Neves representou o Brasil
no Paraguai antes de assumir o
posto de embaixador em Pequim,
há duas semanas.
A seguir, trechos da entrevista
de Castro Neves à Folha.
Folha - Qual será a prioridade do
sr. como embaixador na China?
Luiz Augusto de Castro Neves -
Será trazer o relacionamento Brasil-China ao patamar que ele deve
ter entre dois grandes países. O
que estamos vendo na China é
comparável ao que ocorreu nos
Estados Unidos na segunda metade do século 19 e no princípio do
século 20, quando houve extraordinária expansão da economia.
Na China, o crescimento atinge
taxas imensas e, dada a dimensão
da economia, estamos assistindo
a sua emergência como economia
de primeira grandeza.
Folha - Quão distante está o relacionamento bilateral desse patamar a que o sr. se referiu?
Castro Neves - O relacionamento
está em fase de franca expansão.
O Brasil e a
China começaram timidamente, estabelecendo relações em 1974, e
nos últimos 15
anos tem havido um processo contínuo de
aproximação,
que talvez não
tenha tido inicialmente a velocidade que
seria desejável,
até mesmo por
falta de tradição brasileira
nessa área. O
Brasil sempre
procurou concentrar suas
exportações
em poucos
produtos estratégicos, com certa
prudência em explorar mercados
não-tradicionais. A China é uma
prioridade nas relações do Brasil,
o que pode ser demonstrado pelo
fato de que ela está passando a ser
o segundo mais importante parceiro comercial do Brasil, superando a Argentina, nosso sócio
tradicional no continente.
Folha - O que se pode esperar da
visita do presidente da China, Hu
Jintao, ao Brasil?
Castro Neves - Há a expectativa
de que ela seja uma espécie de seguimento de todas as questões
que foram suscitadas durante a
visita do presidente Lula à China.
A visita do presidente Lula evidenciou a prioridade que o Brasil
atribui à China. A visita do presidente Hu Jintao é recíproca, e coloca em evidência a prioridade
que a China atribui ao Brasil.
Folha - A China dá ao Brasil a mesma importância que o Brasil dá à
China?
Castro Neves - Aí é necessário ver
a situação do ponto de vista de
importâncias relativas no contexto mundial. A China é uma potência nuclear, é membro permanente do Conselho de Segurança da
ONU e tem agendas negociadoras
com a União Européia, com os
EUA, com a Rússia, que são diferentes das agendas do Brasil. Nesse contexto, o Brasil ainda é um
país de porte médio, embora tenha potencialidades. Isso faz com
que a presença do Brasil na agenda global da China não seja tão
marcante como a presença da
China na agenda global do Brasil.
A China é o segundo parceiro comercial do Brasil, e o Brasil é o décimo fornecedor da China.
Folha - Quais são os riscos para o
Brasil da relação com a China?
Castro Neves - Como a China, o
Brasil está buscando colocar sua
economia na rota do crescimento
para sair da categoria de país em
desenvolvimento para se tornar
um país desenvolvido. Em uma
economia muito mais globalizada, a competição se torna mais
acirrada. Há uma série de campos
nos quais a China está obtendo
vantagens comparativas, como
no setor têxtil. Tem havido uma
verdadeira invasão de todos os
mercados por produtos chineses.
Folha - As pautas de exportações
dos dois países são muito distintas.
O Brasil se concentra em produtos
primários, e a China, em produtos
mais sofisticados. Qual o grau de
preocupação do governo brasileiro
em relação a esse desequilíbrio?
Castro Neves - A expansão das
exportações de commodities por
parte do Brasil fez com que houvesse "a primarização" da pauta
de exportações para a China. Isso
nos levou a reproduzir, no âmbito
Brasil-China, uma relação comercial Norte-Sul, na qual a China seria o Norte, e o Brasil, o Sul. Essa
dicotomia entre bens agrícolas
versus bens industriais, sempre
atribuindo-se aos industriais
maior valor agregado e capacidade de preço maior, está sendo matizada pouco a pouco. O que vimos no Brasil nos últimos anos
foi um enorme crescimento do
agronegócio, que está por trás do
desempenho recente da economia. O agronegócio impediu que
houvesse uma contração da economia brasileira e é um dos carros-chefe do crescimento.
Folha - Quais são os setores que
poderiam ser explorados?
Castro Neves - O BNDES fez um
estudo avaliando setores nos
quais a China ainda ficará dependente de importações por 10, 15
anos e creio que é o momento de
tornar esse estudo mais específico. Um
dos setores é o
de linha branca, de compressores de
geladeira. O
Brasil já tem
uma fábrica na
China, a Embraco, e é uma
área na qual
poderia atuar
com mais determinação para atender à
demanda chinesa. A propensão de consumir do chinês ainda é
muito baixa,
mas está aumentando. O
chinês consome apenas 53% do
Produto Interno Bruto, o que é
muito pouco, e tem uma taxa de
poupança extraordinária de 47%.
Isso não vai perdurar para sempre. No Brasil, a taxa de poupança
é de 18%, e o consumo, de 82%.
Folha - As expectativas que se
criaram no Brasil em relação aos
benefícios do relacionamento com
a China são realistas?
Castro Neves - A visita do presidente Lula criou uma série de expectativas, muitas legítimas, outras à revelia do governo, talvez
um pouco menos realistas. Mas o
conjunto foi mais ou menos realista. O desafio é ter uma idéia clara do que é viável e o que não é, e
trabalhar para aproveitar as oportunidades. Existe a oportunidade
de aumentar as nossas exportações para a China e de importar
da China produtos competitivos
de que o Brasil precisa para assegurar seu crescimento. Outro dado relevante é a questão de investimentos no Brasil.
Folha - Esse ponto foi justamente
o que gerou as maiores expectativas no Brasil...
Castro Neves - As pessoas ficam
entusiasmadas e começam a aparecer projetos de todo tipo. É preciso saber em que setor o investidor está interessado. Na área de
soja o Brasil tem uma infra-estrutura que deixa a desejar para escoar a produção. Existe campo
para investimento na malha ferroviária, que aumentaria a competitividade das exportações brasileiras e o interesse chinês em importar do Brasil. Então, o investimento chinês nesse campo significa um benefício para a China.
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