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DEZ ANOS DE REAL
Federal Reserve, banco central dos EUA, já achava muito provável uma desvalorização da moeda brasileira
Greenspan previu em 98 o colapso do real
GIULIANO GUANDALINI
DA REDAÇÃO
O Federal Reserve, o todo-poderoso banco central americano, já
previa o colapso do real meses antes da crise de janeiro de 1999, que
acabou levando à desvalorização
da moeda e à adoção do regime de
câmbio flutuante. Para o Fed, o
colapso brasileiro poderia afetar
toda a região, com repercussões
até mesmo nos EUA.
As revelações constam das
transcrições das reuniões do Fed
em 1998. Os documentos, inéditos até agora, foram divulgados
na quinta-feira, respeitando a
praxe de manter o sigilo durante
cinco anos.
"Os riscos na situação do Brasil
são significativos. Três semanas
atrás, teria dito que a situação do
Brasil era realmente perigosa.
Manter a taxa de câmbio será
muito difícil. Uma moeda que está sob pressão, com juros de 40%
ou 30%, déficit no balanço de capitais e programas que supostamente sejam bons no lado fiscal,
sugere que alguma coisa não vai
bem. Preocupa-me que talvez não
tenhamos visto o pior."
Assim disse Alan Greenspan, o
presidente do Fed, no dia 17 de
novembro de 1998, na reunião do
comitê de política monetária da
instituição, o Fomc (Federal Open
Market Committee).
Aquela reunião ocorreu quatro
dias depois de o Brasil ter fechado
um acordo com o FMI (Fundo
Monetário Internacional), mas,
mesmo assim, o ceticismo em relação à política cambial brasileira
era grande. Para o Fed, o colapso
do real era altamente provável,
como os diretores manifestaram
nas reuniões de setembro, outubro, novembro e dezembro de 98.
No ano seguinte, o regime cambial acabou implodindo. No dia
13 de janeiro de 1999, sob um forte
ataque especulativo, o governo
brasileiro teve de ceder e optou
pelo câmbio flutuante. O socorro
de US$ 41,5 bilhões, concedido
pelo FMI e outros organismos
multilaterais no ano anterior, não
se mostrou suficiente para sustentar a política de real valorizado.
Bola da vez
Havia, entre os diretores do Fed,
a percepção de que, após a crise
cambial dos países asiáticos em 97
e da moratória da Rússia em 98, o
Brasil seria a bola da vez. Os temores só arrefeceram um pouco em
dezembro, após o país fechar um
acordo emergencial com o FMI.
Os receios quanto à sustentabilidade da política brasileira começaram a preocupar o Fed mais intensamente em setembro. Edwin
Truman, ex-diretor da divisão de
finanças internacionais do Fomc,
resumiu a questão assim: "Os brasileiros têm basicamente três problemas: problema fiscal, problema do sistema financeiro e problema de competitividade".
Mas, naquele momento, existia
a expectativa de que o país pudesse evitar o pior cenário caso reduzisse o déficit fiscal. Para Truman,
o real estava sobrevalorizado em
apenas 15% e havia a possibilidade de o país desvalorizar a moeda
"de maneira ordenada".
A reunião de setembro do Fed
ocorreu às vésperas do primeiro
turno da eleição presidencial brasileira, na qual Fernando Henrique Cardoso conquistou o segundo mandato, vencendo Lula.
Na opinião dos diretores do
Fed, não era provável que o governo tivesse a intenção de mexer
no câmbio. "O Brasil terá eleição
no domingo, então não imagino
que o presidente vá dizer que pretende desvalorizar [o real]", disse
Truman. "Nem imagino que
queiram desvalorizar. Na verdade, estão estudando ampliar a
banda [de desvalorização]."
Havia um clima de crise financeira no ar na segunda metade daquele ano. Os mercados, tensos,
especulavam sobre quem seria a
próxima vítima. Na reunião de
agosto, os diretores do Fed admitiram que subestimaram o contágio da crise asiática, inclusive sobre o Brasil.
Diante da instabilidade, Greenspan convocou duas teleconferências de emergência, a primeira em
21 de setembro e a segunda em 15
de outubro, para discutir a necessidade de reduções nas taxas de
juros. A turbulência nos mercados se acentuou com o colapso do
fundo de investimentos Long
Term Capital Management.
O Fed acabou cortando os juros
três vezes durante aquele período.
Entre outras justificativas para a
decisão, os diretores do Fed citaram as possíveis conseqüências
de uma crise cambial no Brasil.
As estimativas quanto ao Brasil
começaram a ficar francamente
negativas em novembro. Na reunião daquele mês, a diretora Karen Johnson apresentou projeções sobre o impacto que um
eventual colapso do Brasil teria na
economia norte-americana.
Johnson, então diretora da divisão internacional, afirmou que
havia a possibilidade de sucesso
do acordo com o FMI. Mas afirmou que existia a possibilidade de
um "outro cenário", como o "derretimento brasileiro e contágio
em toda a região".
"Nesse caso, sem ajuste aqui
[nos EUA], o crescimento do PIB
americano seria reduzido em 0,5
ponto percentual em 99 e 0,75
ponto percentual em 2000", comentou a diretora.
Johnson falava sobre as possibilidades de fuga de capitais, o que
acabou ocorrendo. Comentou
ainda que o PIB brasileiro teria
uma queda, por causa das elevadas taxas de juros e do aperto nos
gastos públicos previstos no acordo com o Fundo.
O Brasil dominou boa parte das
discussões na reunião de novembro do Fomc. Diretores citaram a
iminência de um desastre financeiro no país como fonte de estresse para os mercados financeiros. Discutiram ainda o acordo
com o FMI e especularam sobre o
alcance do contágio em outros
mercados no caso de um colapso.
Greenspan, em sua intervenção,
afirmou que havia conversado
com vários banqueiros dos EUA e
que as instituições não se mostravam propensas a continuar emprestando dinheiro para o Brasil.
De acordo com o presidente do
Fed, os bancos só estavam dispostos a assumir riscos se os demais
também o fizessem. Para Greenspan, havia 50% de chances de o
Brasil entrar em colapso.
No mês seguinte, Johnson se
mostrou mais otimista. Disse que
o pacote do FMI evitara uma crise
na América Latina e que, graças
ao socorro, o regime cambial continuava de pé. Muitos do diretores
do Fed seguiram céticos na reunião do dia 22 de dezembro. Menos de um mês depois, real forte
era coisa do passado.
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