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ARTIGO
Os riscos do chamado plano B, o controle de capitais
JOSÉ JÚLIO SENNA
ESPECIAL PARA A FOLHA
No início de setembro de
1998, o governo da Malásia
fechou a porta de saída para os investimentos de portfólio no país,
por um ano, tornou ilegais as operações "offshore", determinou a
repatriação de todos os ativos em
ringgit (moeda local) mantidos
no exterior e fixou a taxa de câmbio. Na época, a crise asiática durava mais de um ano.
Tailândia, Coréia do Sul e Indonésia haviam recorrido ao FMI e
estavam com seus programas em
andamento. Na Malásia, que evitou tal recurso, deu-se uma resposta inicial ortodoxa à crise na
região (corte de gastos, aumento
de juros, etc.), mas, antes da imposição dos controles cambiais, já
havia indícios de impaciência
com relação a essa política. Vociferava-se contra os especuladores,
e George Soros era o alvo principal. O quadro era lastimável, com
acentuada queda no PIB dos países atingidos pela crise financeira.
Contudo, o estado de pânico
que tomara conta da região começava a se dissipar. Na Coréia e na
Tailândia, observavam-se juros
em declínio e câmbio em apreciação. Para alguns analistas, os controles impostos na Malásia teriam
sido desnecessários, ou seja, o primeiro-ministro Mahatir teria se
precipitado. É difícil concordar
com tal ponto de vista. A esse respeito, merece mais crédito a opinião de Dani Rodrik, para quem a
situação era insustentável e tão
grave quanto às que levaram outros países a recorrer ao FMI.
No mundo acadêmico, destacavam-se as posições de Jagdish
Bhagwati e Paul Krugman. O primeiro criticava a abertura das
contas de capital, enquanto o segundo falava da necessidade de
um plano B, envolvendo restrições temporárias ao movimento
internacional de capitais. Os objetivos básicos dos controles cambiais adotados por Mahatir precisam ser destacados: permitir a retomada do crescimento econômico e pôr fim à instabilidade financeira e cambial. Certamente, não
lhe passara despercebido o exemplo da China, que, por não ter permitido a livre conversibilidade,
mostrava-se imune à crise.
Tal esclarecimento é importante, pois ressalta a semelhança existente entre a situação experimentada pela Malásia, naquela época,
e a que vive o Brasil hoje. Entre
nós, é grande o anseio pela retomada do crescimento e por mais
estabilidade nos mercados. Seguramente, não pensam de maneira
diferente os atuais candidatos à
Presidência da República.
Quais os resultados práticos da
política implementada na Malásia? Não há consenso a esse respeito. A economia se recuperou (a
partir de janeiro de 99), mas o
mesmo fenômeno ocorreu também em outros países. É certo que
o caos inicialmente previsto não
se instalou. Os economistas aceitam bem controles preventivos
(como os do Chile), contendo a
entrada dos capitais, mas restrições à saída sempre foram vistas
como sinônimo de desastre.
Casos distintos
Alguns aspectos relevantes precisam ser lembrados, como o fato
de que a proibição de saída de recursos envolveu apenas investimentos de portfólio de não-residentes, de curto prazo. A forte
perda de reservas observada na
segunda metade de 1997 sugere
que parte desses capitais já havia
saído. Não foram afetados, por
exemplo, os banqueiros internacionais, até porque o país não
apresentava dívida externa significativa. Ressalte-se que se mostravam elevados, na Malásia, o valor de mercado das ações (que
chegou a corresponder a três vezes o PIB) e o grau de "alavancagem" do sistema bancário.
Outro fato importante é que os
controles tiveram curta duração.
Em menos de seis meses, a proibição de saída foi substituída por
tributação, posteriormente limitada a impostos sobre ganhos de
capital. Sem dúvida, a impressionante capacidade do país de gerar
receita cambial autônoma é o que
explica a rápida reversão de política. A Malásia é o único país do
mundo que exporta o equivalente
a 100% do PIB.
Por certo, pode vir a ser grande
a tentação de se adotar no Brasil
algo semelhante ao que se fez na
Malásia. O juro real é muito alto
(há bastante tempo), a economia
cresce pouco, e a volatilidade
cambial tem sido excessiva. Fechando-se a porta de saída dos capitais, seria possível reduzir expressivamente a taxa real de juro,
ao mesmo tempo em que se retomaria o câmbio fixo. Na verdade,
em tese, há duas maneiras pelas
quais tal política pode ser implantada: deliberadamente ou como
simples resultado do eventual
não-restabelecimento do crédito
externo do país, pois sem recursos novos não teríamos como enfrentar os compromissos internacionais.
Em qualquer caso, o controle de
capitais no Brasil seria desastroso.
Primeiro, porque no estabelecimento de prioridades para pagamento externo, dificilmente deixaria de ser afetado largo número
de credores, implicando uma longa e penosa renegociação da dívida. Segundo, correríamos o risco
de não conseguir recursos para
cobrir o déficit em conta corrente,
dependendo do grau de retração
dos investimentos diretos. Terceiro, é pouco provável que os controles tivessem vida curta, em particular por ser baixa nossa capacidade de gerar receita de exportação.
Em suma, no caso brasileiro
atual, a centralização do câmbio
não representa uma alternativa
real de política econômica, voltada para superar a restrição externa e favorecer a retomada do crescimento econômico. Na verdade,
ela poderia ser vista como uma
das consequências indesejáveis de
um cenário negativo, no qual as
atuais dificuldades evoluiriam para um ambiente de ruptura e
aprofundamento do quadro de
desaceleração da economia.
Na medida em que se intensifique esse debate, certamente diminui a probabilidade de candidatos
à Presidência pensarem diferente
do que se concluiu acima. Sendo
assim, reduz-se a preocupação de
que os próximos governantes poderão cair na tentação da "solução malasiana", ao mesmo tempo
em que aumenta a chance de presenciarmos esforços redobrados
no sentido do pleno restabelecimento do crédito externo. Nesse
caso, a recuperação econômica do
país seguiria um curso lento e gradual, mas o único efetivamente
disponível.
José Júlio Senna, 56, é PhD em economia pela Johns Hopkins University (EUA),
sócio-diretor da MCM Consultores Associados, e ex-diretor do Banco Central.
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