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NEGÓCIOS
Clima de terror no exterior e combate à violência no Brasil aumentam ganhos da Taurus, maior fabricante do país
Insegurança eleva lucro com armas
MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Em meio ao clamor pelo fim da
violência no Brasil e a tramitação
no Congresso de projeto de lei
que restringe o uso de armas, revólveres e pistolas têm sido um
ótimo negócio -ao menos para
quem os produz.
Terceira maior fabricante de armas leves no mundo, a Taurus,
sediada no Rio Grande do Sul, dobrou exportações e elevou os lucros em 2002, ano em que governadores decidiram aumentar o
tom de seus discursos antiviolência e os gastos com segurança.
A Taurus também faz parte do
seleto rol de empresas com ações
entre as mais valorizadas no ano
passado: os papéis ficaram em 10º
lugar entre os de 390 empresas da
Bovespa (Bolsa de Valores de São
Paulo), com uma alta de 179%.
Os números impressionam,
apesar de o grupo gaúcho, que
tem 90% de participação no mercado interno, estar associado a estatísticas mais negativas.
Das 42.965 armas apreendidas
no Rio de Janeiro entre 1999 e
2003, 86,7% foram feitas pela empresa ou pela Rossi, outra fabricante cuja divisão de armas foi associada à da Taurus, em 97.
Cerca de 65% das armas
apreendidas no Rio de 1950 a 2001
nunca tiveram registro no Estado,
segundo estudo de Patricia Rivero, pesquisadora do Iser (Instituto de Estudos da Religião).
Embora não afetem vendas da
companhia, as estatísticas preocupam especialistas em criminalidade por um aspecto curioso.
Como a esmagadora parcela das
vendas da Taurus no Brasil é dirigida ao poder público (polícias),
presume-se que tenham sido desviadas do Estado para o submundo. Ou, como suspeitam especialistas, tenham sido exportadas e
reingressado no país ilegalmente,
fenômeno também verificado
com as exportações de cigarros.
Paraguai
Entre 1989 e 2000, o Paraguai foi
o quarto principal destino de armas leves do país. Boa parte dessas armas, indica estudo realizado
pelo sociólogo Ignacio Cano, professor da Uerj (Universidade do
Estado do Rio de Janeiro), foi vendida para brasileiros.
Das 1.758 armas vendidas a brasileiros entre 98 e 99, 40% eram fabricadas pela Taurus e 29% pela
Rossi. A campeã das vendas, apurou o sociólogo, foi a pistola Taurus 9 milímetros, de uso restrito a
militares no Brasil.
"Como resultado, as pistolas entram e permanecem no Brasil ilegalmente", concluiu o estudo.
Tampouco influenciaram negativamente as vendas da empresa o
fato de crimes notórios terem sido
cometidos no Brasil por armas fabricadas pela companhia.
Um caso emblemático foi o da
estudante de enfermagem Luciana Gonçalves de Novaes, 19. Ela
foi atingida por um tiro disparado
de uma Taurus 100, de uso exclusivo da Polícia Militar e da Polícia
Civil, no campus da Universidade
Estácio de Sá (Rio), em maio.
O país gasta 10% do PIB com vítimas de violência. Cerca de 60%
dessas pessoas foram atingidas
por armas de fogo, segundo estudo realizado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 2001.
Ganhos
A ironia é que a violência que assola o país ajuda a fomentar os lucros da própria empresa.
O ganho líquido da Taurus no
ano passado bateu os R$ 48,049
milhões, um aumento de 72,54%
em relação a 2001. "As vendas internas da empresa, que são realizadas em sua maioria para o poder público, cresceram em 2002
por causa do aumento da insegurança no país", aponta André
Moura, analista da corretora Pilla.
Mas o negócio vem crescendo
há mais tempo: de 97, quando o
lucro da empresa era de R$ 6 milhões, para 2002, o aumento do
lucro médio anual foi de 40%.
O grande ganho da Taurus, que
vende 94% de sua produção em
armas curtas (pistolas e revólveres), resulta das exportações.
As vendas externas vem sendo
estimuladas nos últimos anos pela desvalorização do real e pelo
clima de insegurança no principal
destino, EUA, depois dos atentados terroristas do 11 de Setembro.
A participação das vendas externas na receita líquida da empresa era de 52,8% em 97. O índice foi aumentando ano a ano e em
2002 ficou em 74%, com US$ 38,1
milhões exportados.
Em 2003, apesar do impacto negativo que projetos de lei de desarmamento podem provocar, a
estimativa é que o lucro deva aumentar para R$ 49 milhões.
Nos primeiros três meses deste
ano, o ganho da empresa aumentou para R$ 7,1 milhões -crescimento de 26% em relação ao mesmo período do ano passado.
Do total das vendas, 22% são
provenientes da comercialização
com o poder público -a empresa
abastece Polícia Militar e Polícia
Civil, entre outros órgãos- e
apenas 3% de pessoas físicas.
A pressão da opinião pública
dos Estados Unidos e do Brasil fez
com que as exportações para o
Paraguai caíssem nos anos seguintes, até se reduzir a zero.
Mas a suspeita da polícia é que o
crime organizado tenha conseguido burlar o fechamento desse
canal. As armas exportadas legalmente para Argentina e Estados
Unidos, por exemplo, seriam enviadas ilegalmente para o Paraguai e compradas por brasileiros.
"Parte das armas brasileiras exportadas acaba voltando. Os criminosos estão interessados principalmente nas armas de maior
poder de fogo, restritas no Brasil",
diz José Milton Rodrigues, coordenador-geral de defesa institucional da Polícia Federal.
Segundo o sociólogo Cano,
houve suspeitas de que algumas
exportações de armas brasileiras
fossem fictícias. "Mas isso não foi
provado", diz o especialista.
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