|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Bancos distribuem riscos e fogem da crise, mas novos calotes ameaçam instituições
DO "FINANCIAL TIMES"
D epois da festa vem a ressaca. Os efeitos colaterais da
bolha especulativa no mercado de
ações são Bolsas de Valores em
queda profunda e um número
crescente de falências e concordatas. Mas um dos grupos de convidados da festa parece estar curiosamente imune à ressaca da manhã seguinte: os bancos.
Alguns sofreram abalos em sua
reputação depois de cinicamente
"empurrarem" maus investimentos para os seus clientes. Outros
incorreram na ira das autoridades
regulatórias e dos legisladores por
conspirarem com seus clientes
corporativos para encobrir desempenhos medíocres -ou mesmo a insolvência. Mas nenhum
banco significativo, na Europa ou
nos Estados Unidos, foi derrubado pelas consequências dos empréstimos irresponsáveis feitos
durante o boom.
De fato, alguns deles estão reportando lucros recorde, entre os
quais o Citigroup, o gigante dos
serviços financeiros norte-americano que teve de engolir grandes
prejuízos com a Argentina e com
seus empréstimos à empresa de
energia Enron. Embora as provisões para maus empréstimos estejam subindo, elas continuam
bem abaixo dos níveis históricos
para o atual ponto do ciclo econômico. No entanto, embora não
haja ainda sinal da crise bancária
que tradicionalmente se segue a
esse tipo de acontecimento, é cedo demais para que se possa confiar em que ela será evitada.
Blindagem
Certamente um dos fatores comuns às muitas crises bancárias
do passado está ausente: um colapso no mercado imobiliário, a
despeito das bolhas no preço das
residências em diversos países.
Muito mudou desde as crises
bancárias dos anos 80 e começo
dos anos 90. Os bancos têm melhor capitalização e se diversificaram para a administração de cartões de crédito, fundos mútuos e
outras atividades. Os empréstimos para empresas se tornaram
menos importantes em suas carteiras.
Os bancos também fizeram
muito para transferir os riscos dos
empréstimos a outras instituições
financeiras. Um empréstimo a
um cliente corporativo pode ser
fatiado e vendido a investidores
por meio do mercado de empréstimos consorciados, de maneira
semelhante a um título. Ou pode
ser securitizado, de modo que os
investidores podem adquirir títulos a ele relacionados e compartilhar da receita produzida pelo que
quer que seja que lastreia os papéis. Ou o banco pode reduzir o
risco de seus empréstimos pagando para que os investidores o aceitem por meio de derivativos.
Distribuição do risco
Assumir riscos como esse provou-se atraente para as seguradoras, fundos de "hedge" e outros
investidores, tais como fundos de
pensão. Para alguns, eles oferecem retornos mais elevados do
que as alternativas, quando as taxas de juros estão caindo. Para
outros, em especial as seguradoras, o risco de crédito parece uma
linha de negócios similar à venda
de cobertura contra inundações,
incêndios ou acidentes.
São desdobramentos bem vindos. Distribuir o risco pelo sistema financeiro reduz o impacto de
grandes quebras como as da
Enron e da WorldCom. No entanto, embora os bancos se livrem de
boa parte do risco, existe o perigo
de que outros tipos de instituição
assumam risco demais.
Isso talvez não seja intencional e
aconteça como conseqüência da
ignorância ou da inexperiência na
compra de novos tipos de investimento. No ano passado, a American Express revelou que realizara
prejuízos com derivativos, porque não compreendera os riscos
de maneira correta.
Tiro no escuro?
O excesso de exposição pode resultar, igualmente, de tentativas
de reforçar o retorno sobre os investimentos. As companhias de
seguros de vida adquiriram créditos bancários para compensar a
queda dos retornos de outros tipos de investimento em um ambiente de baixos juros. Elas talvez
descubram em breve que retornos mais elevados refletem maiores riscos.
Existe o perigo de que as instituições façam apostas em determinados modelos de risco que se
provam incorretos. A corretora
de investimentos Long-Term Capital Management quase quebrou
em 1998, depois da moratória russa, que solapou suas carteiras de
títulos. Erros semelhantes poderiam emergir caso outras empresas tenham assumido créditos
bancários em volume exagerado,
presumindo que a bolha extraordinária dos anos 90 continuaria
por ainda mais tempo.
Esses perigos são difíceis de prever, porque os riscos são muito
difusos. De qualquer maneira, as
consequências de moratórias e falências em grandes corporações
podem ser prejudiciais para os investidores mas raramente representam uma ameaça para o sistema financeiro.
No entanto, os bancos não têm
como se isolar completamente da
insolvência corporativa. Em muitos casos, os elementos de maior
risco nos empréstimos não têm
como ser vendidos a outras instituições e precisam ser retidos nos
balanços dos bancos. Os bancos
que foram pioneiros nos mercados de derivativos e os que tentam
entrar nesses mercados provavelmente estarão expostos a esse tipo
de risco.
Ameaça no ar
Mesmo que um banco tenha
vendido o risco a outra instituição, é possível que ele volte e atinja o banco de diversas maneiras.
As autoridades regulatórias estão
preocupadas, por exemplo, com a
possibilidade de que as seguradoras compreendam de maneira diferente os riscos que assumiram
com os derivativos. Enquanto os
bancos pagam em dia e integralmente, as seguradoras em geral
discutem. Também podem contestar o contrato se ele cobre determinados eventos que levam
um banco a exigir pagamento.
Até agora, esses problemas estiveram em geral ausentes do mercado. Cerca de 800 contratos de
derivativos no valor de US$ 8 bilhões foram cumpridos suavemente depois do colapso da
Enron, em dezembro do ano passado. Mas um número maior de
quebras corporativas de grande
porte poderia desgastar as organizações, até agora capazes de enfrentar os prejuízos, até o ponto
da quebra. Com o nível de inadimplência dos títulos corporativos norte-americanos já em marca recorde, a pressão é alta o bastante.
Tradução de Paulo Migliacci
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Trecho Índice
|