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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Comércio e desenvolvimento
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
No boletim "Política Econômica em Foco", editado
recentemente pelo Centro de Estudos de Conjuntura do Instituto
de Economia da Unicamp, é feita
uma avaliação profunda do que
aconteceu nos anos 90. O documento está disponível no site
www.eco.unicamp.br.
O capítulo sobre economia internacional, redigido pelo professor Antonio Carlos Macedo e Silva, procura desvendar a natureza
das transformações ocorridas na
"era da globalização". Entre elas
estão: 1) as mudanças promovidas na estruturas de produção e
comércio mundiais pelo "novo ciclo" de investimento transnacional; 2) o papel dominante da economia americana na formação
da taxa de crescimento planetária; e 3) a formação de dois blocos,
com trajetórias divergentes, entre
os chamados países em desenvolvimento. O bom desempenho dos
asiáticos contrasta com o declínio
dos latino-americanos.
Já no relatório de 2002, a Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) havia mostrado que, nos
anos 90, os países em desenvolvimento da Ásia e da América Latina não dançaram a mesma música.
No que respeita à corrente de comércio, o Brasil manteve o "market share" (0,7%), enquanto os
países do Sudeste Asiático e a China elevaram substancialmente
sua participação no mercado. Os
primeiros (Hong Kong, Coréia do
Sul, Cingapura e Taiwan) promoveram um salto espetacular na
sua fatia de mercado: de 6% do
total mundial para 16%. A China
também apresentou crescimento
relativo importante. Suas exportações de manufaturados passaram de 1,1% para 3,8% do total
mundial.
Nos países asiáticos e, com menor intensidade, na China, o aumento da participação das exportações de manufaturas foi acompanhado por um aumento correspondente na geração do valor
agregado manufatureiro mundial (de 7% para 14% e de 3,3%
para 5,8%, respectivamente). Isso
tem uma implicação importante:
o valor das exportações elevou-se
com a maior integração da economia ao comércio internacional e
induziu o crescimento da renda
interna. Nesse caso, pode-se concluir que houve um "adensamento" das cadeias produtivas domésticas, que permitiram a apropriação do aumento das exportações pelo circuito interno de geração de renda e de emprego.
Na América Latina, inclusive
no México, a história foi outra. O
México, diferentemente do Brasil
e da Argentina, aumentou bastante sua participação relativa
nas exportações mundiais (de
0,2% para 2,2%). Mas caiu a sua
parte na formação do valor agregado manufatureiro global (de
1,9% para 1,2%), exprimindo a
desarticulação das cadeias produtivas depois da assinatura do Nafta (Tratado de Livre Comércio da
América do Norte). Esse fenômeno já havia sido identificado por
outros estudos que vêem o surgimento de uma nova e perigosa
dualidade na economia mexicana. Na verdade, o norte do México
já é uma extensão do espaço econômico americano.
O Brasil e a Argentina são casos
tristes. A integração das economias foi mal concebida e isso determinou não só a referida estagnação relativa das exportações de
manufaturas mas também a perda de posição no ranking do valor
agregado manufatureiro. A participação do Brasil caiu de 2,9% para 2,7%. A Argentina marcou passo em torno de 0,9%.
Para quem não sabe ou não gosta de dar nome às coisas -função
elementar do conhecimento humano-, esse fenômeno chama-se, em linguagem técnica, desindustrialização. Na verdade, a década de 90 caracteriza-se por uma
desindustrialização, entendida
como a redução do coeficiente de
valor agregado interno sobre o
Valor Bruto da Produção e como
liquidação de postos de trabalho
(mais de 1,5 milhão durante a década na indústria manufatureira).
Rompidos os nexos interindustriais das principais cadeias de
produção, hoje a estrutura industrial brasileira pode ser comparada a uma nebulosa em que sobressaem algumas grandes e médias
empresas em cada setor, com parte da estrutura de apoio globalizada. Elas sobreviveram respondendo às mudanças macroeconômicas e às novas condições da
concorrência internacional graças à modernização e à especialização, bem como ao acesso ao crédito público e internacional. Assim é possível entender por que a
modernização empresarial dos
anos 90 levou ao enfraquecimento estrutural da indústria manufatureira.
Para quem deseja consolo na
experiência alheia, recomenda-se
a leitura da última edição da revista "The Economist". No artigo
intitulado "A Miséria da Manufatura", os ingleses ironizam a onda de preocupação, surgida recentemente nos países desenvolvidos
-sobretudo nos Estados Unidos-, com o futuro de suas fábricas e do emprego industrial. Aumentam as demandas por maior
proteção à indústria doméstica.
Os bodes expiatórios naturalmente são os asiáticos, em particular a
China, e, como não poderia deixar de ser, o livre comércio.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 60, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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