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LUÍS NASSIF
O olhar de minha filha
O colega Luiz Gonzaga
Laier me manda uma foto
da turma de 1963, do terceiro ginasial dos Maristas. Nela não estava o irmão Nazário, o "Sete Dedos", como o chamávamos. Naqueles dias em que a foto foi tirada, o "Sete Dedos", já idoso, me
chamou para conversar depois da
aula, me disse que era muito cedo
para passar o que estava passando, com uma crise de adolescência braba, e a guerra aberta com
meu pai. Guardei para sempre
aquela conversa, aquele breve
momento de compreensão na
longa solidão que marcou minha
adolescência.
Com a foto, vejo-me o adolescente trancado no quarto para
me proteger do mundo, tendo como únicas companhias o violão e
o sonho distante de crescer, de me
libertar do julgamento diário, do
rosto severo de meu pai, de seu cenho franzido, do ar de censura,
dos dias seguidos sem falar comigo. E o desespero de não ter para
onde ir, não ter a escolha, não poder abdicar da condição de filho.
É curiosa essa formação da minha geração, que faz com que dezenas de leitores escrevam sobre a
coluna "O Olhar do Meu Pai", a
maioria absoluta solidária com
seu pai, talvez para se iludir acerca da solidão do adolescente que
já fomos, enfrentando o poder do
adulto que nossos pais eram. Talvez porque muitos de nós passamos a ser o que nossos pais foram
e perdemos a sensibilidade para o
que nossos filhos são.
Quem se dá ao trabalho de entrar na cabeça de um adolescente,
das nossas quase crianças, e perguntar como recebe essa carga
diária de cobrança, de competição, essa pressão desmedida para
que se diferencie, para que seja
"vitorioso", o uso permanente da
repreensão e do remorso quando
falha? Quem ainda se lembra do
que é ser solitário na sua própria
casa, porque não se cumpriram
os planos que nossos pais nos impuseram?
No final da longa corrida da vida, chegam os que venceram e os
que falharam, poucos os que foram felizes. Como me lembro do
breve período que antecedeu a
entrada na luta, as serenatas, os
amigos se valorizando mutuamente, como náufragos procurando a bóia da auto-estima até
conseguir colocar o pé fora de casa.
Depois, na universidade, na
profissão, tudo passa a ser atropelado pela luta diária, pela obsessão massacrante de não falhar,
não desapontar as apostas que fizeram em você. Varrem-se para
baixo do tapete sensibilidade,
poesia, o próprio culto carinhoso
do passado, um processo violento
que destrói a tantos pelo caminho, que faz a tantos se refugiar
na bebida, na droga ou no trabalho. E aí há a necessidade de perder o medo, de olhar de perto o
adolescente que já fomos, e nos
vermos nas nossas crianças. Só
assim se recomeça.
Por isso, das cartas que recebi
sobre "O Olhar do Meu Pai", nenhuma entendeu melhor o sentido do reencontro contido na coluna que o olhar de minha filha
Mariana. A coluna a ajudou a
compreender os movimentos do
pai e a me presentear com uma
declaração: "Você acabou por ser
o pai que deve ter querido ter".
O que ela não sabe é que a
grande noite começou a se desfazer no dia em que ela e a irmã
Luizinha, ambas aborrecentes,
ambas sofrendo e sem entender o
que se passava com o pai, me procuraram, uma de cada vez, e me
perguntaram o que eu tinha, por
que não falava, por que me fechava tanto. Contaram-me que sabiam como eu estava simplesmente olhando meus olhos, conferindo meu andar nervoso, os tiques da perna, mapeando um a
um todos os meus sinais, da mesma maneira que eu fazia com
meu pai. E eu nem me dava conta
disso.
Aí me lembrei do adolescente
que fui, acordei a tempo e venci o
grande fantasma que me acompanhava e nos acompanha desde
o início da vida adulta, de repetir
a sina solitária de nossos pais. A
Mariana me escreveu: "Matusa,
como as pequenas o chamam,
brinca, conta histórias e toca violão sentado no chão da sala,
acompanhado pela prole de quatro meninas mais a neta Clara,
minha filha. Mariana, Luiza,
Beatriz e Dora, todas com nome
de música, cada uma com sua
melodia".
Como são lindos os pré-adolescentes, os adolescentes, os pós-adolescentes, para sempre nossas
crianças.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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