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ARTIGO
Estabilidade pode ser a maior inimiga britânica
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Uma estabilidade extraordinária, quase sobrenatural, em termos históricos, emergiu na economia do Reino Unido.
Ela vem crescendo já há 47 trimestres, em um total acumulado
de 39%. Entre os integrantes do
G7 (Grupo dos 7, maiores países
industrializados), nenhuma outra
nação demonstrou tamanha estabilidade. Por que isso aconteceu?
E será que a situação perdurará?
Uma análise fascinante de Bill
Martin, até recentemente economista-chefe na UBS Global Asset
Management, e Robert Rowthorn, da Universidade de Cambridge, demonstra que esse ganho
de estabilidade não se limita ao
Reino Unido. Entre 1994 e 2003, a
instabilidade no crescimento e a
inflação também foram notavelmente mais baixas do que a norma histórica recente nos Estados
Unidos, na Alemanha, na França,
na Itália e no Japão.
Mesmo assim, o desempenho
do Reino Unido vem sendo notável. Primeiro, a redução na instabilidade não coincidiu com um
período de baixo crescimento
econômico, como aconteceu na
Alemanha, na França, na Itália e
no Japão. Entre o segundo trimestre de 1992 e o primeiro trimestre
deste ano, a economia britânica se
expandiu ao ritmo de 2,9% ao
ano. Ao longo do mesmo período,
a economia da França se expandiu a 1,9%, a italiana e a japonesa,
a 1,4%, e a alemã, a apenas 1,2%.
Das economias do G7, apenas a
dos Estados Unidos e a do Canadá
cresceram mais rápido do que a
britânica.
Segundo, entre 1994 e 2003, o
crescimento britânico foi mais estável que o dos Estados Unidos,
da Alemanha, da França, da Itália
e do Japão. A instabilidade britânica quanto à inflação também foi
inferior às da Alemanha, do Japão
e da Itália.
Três pontos
Por que surgiu essa imensa melhora no desempenho econômico
do Reino Unido? Para responder
a essa pergunta, é preciso considerar o que o Reino Unido tem
em comum com outras economias avançadas e o que existe de
especial no país. Martin e o professor Rowthorn consideraram
três conjuntos de explicações para
a melhora geral da estabilidade: 1)
mudanças estruturais nas economias, como a transição da indústria para os serviços, administração de estoques superior e desregulamentação financeira; 2) melhora nas políticas públicas e instituições; 3) choques menos intensos.
Uma análise cuidadosa sugere
que a maior parte das explicações
estruturais não funciona, ainda
que se deva ressaltar uma exceção
plausível: a integração econômica
e internacional e, com isso, a
maior pressão competitiva exercida sobre e dentro das economias nacionais.
Já a mudança de regime político
é mais convincente. A visão otimista deveria ser a de que, depois
de aproximadamente 70 anos de
experiências frustradas, aprendemos, enfim, como administrar
um regime monetário autônomo
sem âncora externa, como o ouro.
A diferença é a adoção, mais ou
menos explícita, de metas de inflação. Mas a autonomia inerente
a um regime desse tipo, como explicou recentemente o presidente
do Banco da Inglaterra, Mervyn
King, é restrita pela delegação ao
banco central do poder para determinar as taxas de juros.
Elogiar o próprio desempenho é
uma atividade agradável. Mas
Martin e o professor Rowthorn
estipulam certas exceções. Sua
análise sugere que os choques
também se tornaram mais moderados nos últimos 20 anos e isso,
por sua vez, tornou mais fácil estabilizar as economias.
Flexibilidade
Por que, então, o Reino Unido
se saiu tão bem em combinar
crescimento a uma instabilidade
menor? Uma resposta poderia ser
o fato de que os britânicos avançaram mais na transição rumo à
flexibilidade microeconômica. As
outras economias da esfera anglo-saxã também se reformaram e liberalizaram mais do que as demais economias avançadas.
A maior questão, no entanto, é
determinar se esse período de
crescimento estável pode perdurar. Uma parte da resposta depende dos choques aos quais a economia mundial está exposta. Petróleo custando mais de US$ 100 por
barril desestabilizaria a economia
do Reino Unido (e o mundo) de
maneira substancial, mesmo que
a resposta das autoridades fosse
menos incompetente do que nos
anos 70.
No entanto existe uma possibilidade mais perturbadora -a de
que a redução da instabilidade encoraje as pessoas a assumir mais
riscos. Um exemplo óbvio é o
mercado britânico da habitação.
Taxas de juros baixas e estáveis
encorajaram um nível cada vez
mais alto de endividamento domiciliar e uma explosão no preço
das casas. A visão otimista é que
essa vulnerabilidade ampliada
tornará mais efetivas quaisquer
pequenas mudanças nas taxas de
juros. A pessimista é que isso também tornará mais difícil ao banco
central calibrar sua resposta aos
choques.
Sorte
No geral, o desempenho da economia britânica foi notável não
apenas em comparação com a referência histórica do país mas
também diante de muitas das demais economias avançadas. A
melhora resulta tanto de sorte
quanto de decisões sensatas. Mas
não se pode determinar se vai perdurar. Grandes choques continuam a ser possíveis.
O mais preocupante é a possibilidade de que a estabilidade seja
sua maior inimiga. Se a queda na
instabilidade persuadir as pessoas
a assumir riscos cada vez maiores,
as economias se tornarão de novo
instáveis. Nem que apenas por esse motivo, seria imprudente presumir que o sucesso espantoso
dos últimos 12 anos durará para
sempre.
Tradução de Paulo Migliacci
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