São Paulo, terça-feira, 30 de maio de 2006

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BENJAMIN STEINBRUCH

Um ponto percentual

Se for preciso ter uma inflação um pouco superior à do centro da meta deste ano, de 4,5%, que assim seja

QUANDO O dólar bateu em R$ 2,40, na quarta-feira de semana passada, em meio às turbulências que atingiram duramente os países emergentes, alguns analistas do mercado financeiro começaram a olhar com preocupação para a quarta-feira seguinte (amanhã). E logo levantaram a hipótese de que o Banco Central, na reunião do Conselho de Política Monetária, poderia decidir pela interrupção de sua já gradual política de corte dos juros. No raciocínio desses analistas, que tentam interpretar a cabeça conservadora do Banco Central, a alta do dólar teria um efeito inflacionário importante mais à frente. Preventivamente, portanto, o BC poderia manter os juros nos atuais 15,75% ao ano, os mais altos do mundo, ou mesmo voltaria a elevá-los, para combater essa possível inflação futura. O raciocínio peca, em primeiro lugar, pelo excesso de pessimismo. Raras são as previsões de que as turbulências da semana passada possam se prolongar -aliás, indicadores divulgados na quinta-feira e na sexta-feira, sobre a economia americana, já foram suficientes para atenuar a velocidade dos ventos que atingiram o mercado financeiro. Em segundo lugar, o raciocínio falha pela falta de memória. O impacto do dólar nos preços, ainda que a taxa viesse a permanecer em torno dos R$ 2,40, jamais seria tão grande a ponto de ameaçar a estabilidade atual. Certos analistas se comportam como se o país ainda vivesse os tempos da indexação plena, quando qualquer alteração de custo imediatamente se transmitia para os preços pelo mecanismo perverso da correção monetária. Nas condições atuais, mesmo com o dólar a R$ 2,40, o efeito inflacionário se daria de forma gradual e limitada a alguns setores. Esse efeito nem de longe seria suficientemente grande para afastar a inflação da meta deste ano, de 4,5%. É didático lembrar que previsões catastróficas sobre o efeito do câmbio na inflação foram desmentidas por fatos, por exemplo, após o choque cambial detonado por razões eleitorais, em 2002. Naquele ano, o dólar passou de R$ 2,35, em 1º de maio, para R$ 3,96, em 22 de outubro. Diante dessa alta, de quase 70%, alguns profetas do apocalipse previram que a inflação chegaria a 80% ao ano. A realidade mostrou que a taxa foi pouco além de 12% em seu pior momento. Vamos admitir, porém, que as turbulências continuassem durante um certo tempo e que o dólar permanecesse em R$ 2,40 ou até ultrapassasse esse nível [os exportadores agradeceriam muito, mas essa é outra história]. Seria essa uma razão determinante para o Banco Central interromper a seqüência de corte dos juros? Claro que não. Por conveniência ou conservadorismo, normalmente se esquece de que a meta de inflação é um número que pode variar de 2,5% a 6,5%. Os 4,5% a que costumamos chamar de meta, na verdade, são o centro da meta. A margem de dois pontos para baixo ou para cima existe exatamente para que possam ser acomodadas situações inesperadas. E as turbulências dos últimos dias, detonadas por suspeitas de que haverá novas altas dos juros nos EUA, encaixam-se perfeitamente nessa modalidade. A esta altura, atenuada a crise da semana passada, ninguém mais trabalha com a hipótese de que o Banco Central venha a manter a Selic nos atuais 15,75% na reunião de amanhã. Mas também não se espera que o corte seja de um ponto percentual, como se imaginava anteriormente. De qualquer forma, é bom que fique claro: qualquer corte inferior a 0,75 ponto é inaceitável. As seguidas reduções das taxas de juros dos últimos meses, ainda que muito aquém do desejável, têm dado um certo estímulo ao setor produtivo e renovado a esperança de que o país possa ter, em breve, um ritmo de crescimento econômico semelhante ao de seus parceiros emergentes. É o momento, portanto, de fugir de tentações ortodoxas. Se for preciso ter uma inflação um pouco superior à do centro da meta, que assim seja. Não faria nenhum sentido sacrificar a retomada do crescimento por conta de um choque externo inesperado. Aliás, seria irresponsável.


BENJAMIN STEINBRUCH, 52, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

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