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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Sem medo de crescer
LUCIANO COUTINHO
É mais que devida e oportuna
a decisão do governo Lula de
iniciar a implementação da política industrial e de comércio exterior. Ultrapassado -não sem duro sacrifício- o período de aversão mundial ao risco e de desconfiança dos mercados que bloqueou o acesso do Brasil ao crédito internacional -com sequelas
sobre a taxa de câmbio e sobre a
inflação- é necessário, doravante, criar confiança na sustentabilidade do crescimento para que os
investimentos fluam com a intensidade requerida. Sem investimentos -hoje muito deprimidos- há o risco de uma bolha de
crescimento, insubsistente. Por isso, é preciso evitar cair num circulo vicioso em que os investimentos
não acontecem por falta de confiança e, por isso mesmo, a confiança não se robustece.
Mas, além da consistência da
política macroeconômica, a concretização de inversões exige políticas públicas que auxiliem o setor empresarial a superar riscos
elevados, a reduzir os custos de
capital, a acessar novos mercados
externos, a enfrentar as incertezas
intrínsecas ao desenvolvimento
tecnológico -problemas típicos,
mas não exclusivos, dos países em
desenvolvimento. O reconhecimento de que os riscos, as externalidades, as assimetrias de informação e as falhas de coordenação
são específicas a cada cadeia produtiva torna imprescindível combinar políticas horizontais com
iniciativas verticais de coordenação.
Em outras palavras, os bloqueios micro e mesoeconômicos
ao investimento privado precisam ser removidos por ações setoriais coordenadas e essa é a tarefa
precípua da política industrial.
Vencer o medo de crescer e apostar no investimento: esse é o teste-chave, inclusive para a política
macroeconômica que, de outra
forma, pode ficar aprisionada no
imobilismo.
Com efeito, tenho argumentado
que as políticas industrial e macroeconômica, longe de serem antagônicas, são, antes, complementares e mutuamente robustecedoras. Ao reforçar a competitividade e a eficiência das cadeias
produtivas, apoiando a formação
de nova capacidade exportadora
e ao viabilizar a substituição
competitiva de importações, a política industrial e de comércio exterior contribuirá para assegurar
a manutenção do superávit comercial acima de US$ 20 bilhões
por ano, consolidando a perspectiva de sustentação do crescimento. Essa consolidação da confiança é critica para que os capitais
possam se mover em direção à
acumulação produtiva, enquanto
se reduz a taxa de juros -sem
que ocorram surtos de especulação sobre a taxa de câmbio ou sobre outros ativos. Nesse sentido,
na medida em que venha a ser
um fator de confiança, a política
industrial pode ser um valioso
instrumento de fortalecimento da
eficácia da política macroeconômica, permitindo que seja mais
rápida a convergência da taxa
real de juros e da taxa de risco-país para níveis de "investment
grade".
Mas, além da contribuição para
a recuperação da solidez das contas externas, a política industrial
também deve ser instrumento de
ampliação da oferta doméstica de
bens e serviços, indispensável para evitar gargalos inflacionários e
para assegurar que a distribuição
da renda melhore à medida que o
emprego volte a crescer sustentadamente. Para isso a política industrial precisa gerar expressivos
e continuados ganhos de qualidade e de produtividade, que devem
ser equitativamente repassados à
sociedade por meio de oferta suficiente e preços mais baixos.
Para não ter seus efeitos frustrados, a política industrial precisará
estar calçada por uma aceleração
concomitante dos investimentos
em infra-estruturas, especialmente em logística e em energia, para
prevenir a formação de pontos de
estrangulamento da economia.
Advirta-se que o aperfeiçoamento
da capacidade de planejamento e
dos marcos regulatórios das infra-estruturas em bases legais e
institucionais confiáveis pelo setor privado é urgente mas não suficiente. Parece igualmente necessária a estruturação de operações
de "funding" para os projetos, seja pela via das parcerias público-privadas ou por meio de outras
engenharias financeiras que minimizem o impacto fiscal desses
investimentos. O controle da dívida interna assim o requer, e isso
significa que a política industrial
não pode se basear em renúncias
fiscais adicionais. Tampouco a
política industrial deve ser intensiva em protecionismo tarifário e
em esquemas de incentivo de longa duração sem uma avaliação
de custo-benefício. A política deve, sim, ser intensiva em coordenação intracadeias e em ações
público-privadas de apoio à inovação tecnológica e à conquista
de novos mercados externos. A redução dos custos de capital (crédito, capitalização, desoneração
tributária do investimento fixo)
deve ser outro objetivo-chave, o
que representa um extraordinário desafio para o BNDES e para o
sistema financeiro. Em suma,
apesar das restrições fiscais, é possível criar condições objetivas para a sustentação do crescimento,
que é, felizmente, a opção desejada.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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