São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 2008

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OMC admite que subestimou principal "nó" na negociação

Diretor-geral diz que mecanismo de salvaguarda não estava na lista de temas prioritários

Lamy não faz previsões sobre o futuro das negociações comerciais, mas afirma acreditar que a Rodada Doha não tenha morrido

DE GENEBRA

O tema que se transformou em um obstáculo intransponível para o avanço da Rodada Doha escapou do radar da OMC (Organização Mundial do Comércio). Na noite de terça-feira, após nove dias de intensa barganha e dezenas de propostas rejeitadas, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, deu por encerrado o processo, frustrando a busca de sete anos por um acordo global de comércio.
O próprio Lamy admite que o ponto de atrito que levou ao fim das discussões, o mecanismo de salvaguarda agrícola para países em desenvolvimento, não estava em sua lista de temas mais explosivos.
"Talvez tenhamos errado em não detectar o quanto esse assunto despertava paixões e disputas. Para a maioria de nós, o SSM [Mecanismo Especial de Salvaguarda, na sigla em inglês] era apenas um dos muitos obstáculos", disse Lamy ontem em conversa com a Folha e outros cinco jornais no lendário "Green Room" (salão verde) da OMC. Foi ali que sete ministros, entre eles o brasileiro Celso Amorim, passaram dezenas de horas em busca de uma solução para o impasse.
Vestindo camisa verde, num ambiente totalmente desprovido da cor que dá nome à famosa sala, Lamy não quis fazer previsões sobre o futuro das negociações, mas acredita que a Rodada Doha não tenha morrido. No encontro que teve ontem com representantes dos 153 membros da organização, ele disse que ficou surpreso com a quase unanimidade em torno da idéia de preservar os avanços feitos nos últimos dias.
Lamy não foi o único negociador presente ao "Green Room" que se surpreendeu com o fato de as negociações terem afundado devido ao SSM. O chanceler Celso Amorim chegou a chamar o mecanismo de "um assunto menor". Na reta final, as discussões fracassaram devido à divergência entre indianos e americanos sobre como aplicar a salvaguarda contra importações agrícolas.
Uma fonte da OMC disse que nem Índia nem os EUA haviam sinalizado que fariam uma defesa "religiosa" de sua posição, como ocorreu durante horas de negociação infrutífera em Genebra. Acrescentou que outra linha divisória surgida no "Green Room" foi o endurecimento da China, que usou as discussões para contestar os termos de sua adesão à OMC, em 2001, principalmente a redução de tarifas agrícolas, exigidas na época pelos EUA.
O impasse em torno da salvaguarda agrícola expôs as contradições dos interesses dos países emergentes, pegando a OMC de surpresa ao substituir o antigo confronto norte-sul. "A OMC não está habituada com situações em que países em desenvolvimento brigam entre si", disse um negociador.
Aparentando serenidade, sem nenhum sinal de fadiga após conduzir mais de cem horas de negociações, o diplomata e maratonista amador admitiu que a complexidade da proposta em negociação e do processo decisório da OMC dificultou a obtenção de um entendimento. Ele comparou o acordo que estava sendo negociado a uma "catedral", que foi tornando-se complexa demais à medida que foi sendo construída.
O diplomata francês tem até dezembro para anunciar se quer ficar mais quatro anos à frente da entidade máxima do comércio mundial. Poucos arriscam um palpite sobre como o fracasso da reunião ministerial em Genebra, cuja convocação foi considerada por muitos uma aposta perigosa de Lamy, afetará sua decisão.
Rumores de que Celso Amorim estaria entre os candidatos à sucessão ressurgiram nesta semana pelos corredores da OMC. Mas o próprio chanceler brasileiro negou estar na corrida. "Não tenho interesse", disse Amorim. Indagado se Lula apoiaria sua candidatura ao cargo, foi irônico. "Espero que não. Se isso acontecer, é porque não estou fazendo bem o meu trabalho." (MN)


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