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LUÍS NASSIF
Paixões de adolescência
Ah, os namoros de adolescência, as paixões mal resolvidas que ficam suspensas no
ar, como ectoplasmas que a gente carrega vida afora. São fantasias que nunca se realizam, porque interrompidas no meio do
sonho, antes de sofrer o desgaste
das relações diárias.
Por isso saí muito ansioso de
uma palestra para prefeitos, em
Campos do Jordão, depois que
um senhor se aproximou, apresentou-se como ex-prefeito de
São Sebastião da Grama, me
contou que havia sido colega da
mamãe, de pensão e de Escola
Normal em Casa Branca. E despediu-se com uma frase intrigante: "Como aquele rapaz sofreu quando sua mãe terminou o
namoro com ele".
O rapaz era Pedro Ortolani,
que minha mãe namorara antes
de conhecer meu pai. Era sexta-feira. No domingo houve almoço
de família. Perguntei a minhas
tias sobre o namoro. Foi uma
paixão incontida. Minha mãe
terminou com Pedro, conheceu
meu pai, marcaram noivado.
Pedro não se conformou, procurou-a, implorou para que não se
casasse, em vão.
Na segunda-feira não sosseguei enquanto não localizei o
nome de Pedro na lista e telefonei. Ele mesmo atendeu. Apresentei-me como filho da Terezinha, e Pedro se atrapalhou todo.
Pediu desculpas, explicou que
era o cinquentenário da formatura de ambos. Desculpa de quê,
indaguei? Do convite que ele havia enviado para minha mãe,
para o encontro dos formandos.
Contei-lhe que mamãe tinha
morrido havia exatos dez anos.
Do outro lado da linha, Pedro
embatucou, emocionou-se, disse
que só soubera da morte de meu
pai. Ficou com um nó na garganta, e eu com outro. Deu-me
vontade de visitá-lo assim que
fosse a Poços.
Tempos depois fui à cidade e,
no bar do Pálace, encontrei-me
com João Sâmia, velho amigo da
família e vendedor de produtos
odontológicos. Na conversa, pediu que não deixasse de visitar
Pedro, dentista e seu cliente, pois
ele só falava nisso.
Telefonei para Pedro e, domingo de manhã, passei por Casa
Branca e segui o roteiro indicado
para encontrar sua casa. Perdi-me pelo caminho e fui parar em
frente à Escola Normal de Casa
Branca, onde minha mãe estudara. Parei justo em frente a
uma pequena casa. Na placa, vi
que era o consultório de Pedro.
Achei curiosa a coincidência.
Segui caminho e fui parar em
sua casa. Lá, me recebeu com dona Dirce, sua mulher, inteligente, sensível, filha de um antigo
diretor da Redação do "Correio
Paulistano".
Foi uma conversa sofrida, como se ele estivesse aguardando
havia décadas por ela. Contou
da ligação com minha mãe, de
como ela lhe dera força para fugir da imposição do pai, que o
queria sucessor na empresa telefônica da cidade, de como o estimulou a seguir outra carreira,
deu-lhe aulas de português, de
como se tornou adorada pela família. Disse-me: "Sua mãe era
tudo para mim". Ao lado, dona
Dirce o olhava com ternura.
Perguntou onde morávamos
em São Paulo. Disse que na Vila
Mariana, depois, no Paraíso. Lamentou-se nunca ter nos visitado, ele que sempre passava por
lá. Expliquei-lhe que ele havia
voltado para Casa Branca em
1967 e que meus pais se mudaram para São Paulo só em 1974.
Pedro nem parecia se dar conta
desses desencontros do tempo.
Dona Dirce perguntou se eu tinha um retrato de mamãe para
mostrar. Tinha levado um álbum de família. Pedro devorou
as fotos, ansioso, tentando disfarçar a emoção.
No final da conversa, indaguei
onde era a pensão que minha
mãe havia morado. Ele fez silêncio, enquanto controlava a emoção, e contou que, na volta de
São Paulo, a havia comprado e
transformado em consultório.
Saí de lado lamentando não
ter encontrado o álbum de recordações que mamãe tinha guardado com recados de todas as colegas. A primeira página ficara
em branco e, na borda inferior,
escrito a lápis, o nome do Pedro.
Na porta, dona Dirce se despediu, me beijou, como se beija a
um filho, e agradeceu ao que tinha feito por seu marido. Alguns
meses depois, me telefonou informando da sua morte. Pedro estava só esperando aquele acerto
de contas, para morrer em paz.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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