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ARTIGO
Agricultura na OMC pode ser armadilha
ROBERT HUNTER WADE
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
Um ar de crise toma conta
das semanas que antecedem
a reunião da OMC (Organização
Mundial de Comércio) em Cancún, no mês que vem. O que se diz
é que a crise gira fundamentalmente em torno da agricultura.
Os países em desenvolvimento
estão exasperados com a relutância das nações desenvolvidas
quanto a reduzir a proteção e os
subsídios aos seus fazendeiros.
De sua parte, os negociadores
comerciais dos países ricos vêm
enfatizando que os países em desenvolvimento precisam fazer
grandes concessões de abertura
de mercado em outras áreas da
agenda internacional de comércio
e investimentos se desejam que os
governos dos países ricos corram
os riscos políticos da abertura de
seus mercados agrícolas.
É certo que os países em desenvolvimento têm muito a ganhar
de um melhor acesso aos mercados de produtos agrícolas dos países ricos e de uma redução do
dumping de superávit agrário que
estas nações praticam nos mercados externos. Mas há uma armadilha. A conquista de um melhor
acesso aos mercados agrícolas pode aprisionar muitos dos países
em desenvolvimento de maneira
ainda mais firme ao papel de fornecedores de commodities, e fazer de seu crescimento econômico um refém dos mercados de exportações, nos quais eles terão de
enfrentar termos de comércio cada vez menos favoráveis.
Os negociadores comerciais dos
países em desenvolvimento deveriam estar tratando não só de um
melhor acesso a mercados mas
também de criar condições mais
favoráveis à adoção de políticas
industriais que permitam ampliar
as bases industriais de seus países,
para que escapem à armadilha do
fornecimento de commodities.
O escopo para esse tipo de avanço foi severamente reduzido em
razão dos três acordos da Rodada
Uruguai: o acordo de propriedade
intelectual vinculada ao comércio
internacional (Trips), o acordo
sobre medidas de investimento
vinculadas ao comércio internacional (Trims) e o acordo geral de
comércio e serviços (Gats). Esses
acordos mostram de que maneira, em nome dos mercados abertos e do benefício mútuo, o jogo se
tornou ainda mais favorável aos
países desenvolvidos.
O Trips dá forte proteção aos
detentores de patentes e direitos
autorais nos países desenvolvidos. O Trims e o Gats poderiam
ter sido redigidos na forma de
uma lista de todas as políticas industriais e tecnológicas empregadas pelos governos capitalistas do
leste asiático para fomentar suas
indústrias nacionais, para que
posteriormente fossem tornadas
ilegais sob as regras da OMC.
Além disso, os acordos foram
redigidos de maneira que os faz
parecer "equilibrados" em termos dos direitos e obrigações dos
países desenvolvidos e em desenvolvimento. Mas um estudo mais
detalhado demonstra que as obrigações que se aplicam aos países
em desenvolvimento são passíveis de cobrança, enquanto as
obrigações "recíprocas" dos países desenvolvidos tendem a ser
impossíveis de aplicar na prática.
No Trips, por exemplo, os países desenvolvidos aceitaram
"transferir tecnologia", enquanto
os países em desenvolvimento
aceitaram adotar prazos mínimos
de validade de 20 anos para as patentes, e admitir uma ampla gama
de produtos, idéias e tecnologias
como patenteáveis. Caso os países
desenvolvidos não transfiram tecnologia, nada acontece e é improvável que sejam forçados a discutir casos desse tipo sob o mecanismo de resolução de disputas da
OMC, e ainda mais improvável
que os percam. No entanto, caso
os países em desenvolvimento
não acatem suas obrigações
quanto às patentes, é muito provável que sejam alvo de sanções.
Em termos mais fundamentais,
toda a idéia de "tratamento especial e diferenciado" para os países
em desenvolvimento foi desaparecendo à medida que a OMC
emergia do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), em 1995.
Sob o Gatt, a idéia de tratamento
especial e diferenciado legitimara
a adoção de acordos sem reciprocidade, no sentido de que o acesso
dos países em desenvolvimento a
mercados podia ser melhorado
sem que eles reduzissem as suas
tarifas protetoras.
Quando a OMC foi criada, a
idéia anterior foi alterada para
significar apenas um período de
ajuste mais longo para que os países em desenvolvimento implementassem políticas abrangentes
de abertura de mercados. Só há
um ponto final permitido.
A nova e atenuada idéia de tratamento especial e diferenciado
não oferece espaço para regras internacionais capazes de permitir
uma gama mais ampla de estratégias de desenvolvimento, incluindo diversas formas de assistência
estatal a novas empresas e setores
para o desenvolvimento de países
que tentam se estabelecer no mercado diante da competição de
concorrentes já estabelecidos em
outros locais.
A atenuação do "tratamento especial e diferenciado" tem como
efeito líquido remover a escada
para os mercados, o que torna
mais difícil aos países em desenvolvimento se equiparar aos desenvolvidos. Protecionismo e políticas industriais foram usados
pelos países hoje desenvolvidos a
fim de fomentar novos produtos e
processos, aproveitando as sinergias entre a exportação e a substituição de importações. Eles ainda
podem ser usados com efetividade hoje, por meio de aberturas de
mercado calibradas de acordo
com o desenvolvimento das capacidades produtivas, setor a setor.
Os negociadores dos países em
desenvolvimento em Cancún e
nas reuniões posteriores deveriam estar coordenando seus esforços a fim de garantir maior latitude para as políticas de desenvolvimento de seus países, e não apenas um maior acesso a mercados.
O autor é professor de Economia Política
na London School of Economics
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