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Candidatos profissionais
Aumento do número de formados em direito leva ao surgimento do "bacharel em concursos"
JOSÉ FRANCISCO SIQUEIRA NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A carreira de direito é uma
das mais promissoras pelas
amplas possibilidades que oferece. Historicamente, esteve
associada a ascensão profissional, social e até mesmo política.
Mesmo considerando o caráter elitista da educação superior e o conservadorismo preponderante nas faculdades,
inegavelmente, no âmbito dos
cursos de direito, foram geradas importantes referências
culturais e políticas para o país.
Isso, contudo, não só pelos
talentos individuais, mas, sobretudo, pela formação com
ampla visão das estruturas jurídicas fundamentais e pela articulação com campos de conhecimento correlatos, como a
economia e as ciências sociais.
Essa tradição de formação
profissional vinha se mantendo, apesar de alguns percalços,
até as últimas duas décadas,
quando se verificou, de um lado, uma proliferação de novos
cursos e, de outro, uma demanda maior por serviços jurídicos,
como resultado de uma sociedade democrática, cada vez
mais urbana e complexa.
Demanda reprimida
Pela lógica, essa nova realidade deveria impor ao ensino jurídico responsabilidades talvez
maiores do que no passado,
mas, infelizmente, isso não
ocorreu. Ao contrário, tantas
foram as facilidades à abertura
de cursos que o ensino jurídico
passou a ser apenas um bom e
lucrativo negócio.
Aproveitou-se da demanda
reprimida entre ensino médio e
superior, da tradição e do fato
de continuar sendo o direito,
provavelmente, dentre todas as
demais carreiras, a que oferece
o maior leque de oportunidades de ascensão profissional.
No serviço público, por
exemplo, as carreiras jurídicas
são as mais bem remuneradas.
E, mesmo com uma forte tendência à proletarização (é cada
vez maior o número de advogados empregados), ainda é na
advocacia que se enxerga a figura do profissional liberal no
sentido estrito do termo.
Esse quadro pressiona para a
abertura de um número maior
de cursos (que já passam de mil,
embora há 15 anos não chegassem a 200) e pelo fim das barreiras ao ingresso no mercado,
como o exame obrigatório aplicado pela Ordem dos Advogados do Brasil.
Os novos bacharéis têm
pressa diante de um mercado
cada vez mais competitivo.
"Bacharel de concursos"
Daí resulta, nessa área mais
do que em qualquer outra, o
fenômeno do "bacharel de concursos", que, muito antes de
concluir o ensino superior, programa-se exclusivamente para
uma das muitas carreiras estampadas nos editais de concursos públicos. Juiz, com certeza, é a mais atraente. Mas
promotor não fica muito atrás.
A perspectiva de um salário
que permita formar patrimônio, da segurança de um plano
de saúde, além, claro, do prestígio e da estabilidade torna essas
carreiras não apenas atraentes,
mas, em muitos casos, razão de
ser de todos os anos de estudos
e das noites maldormidas em
cima de livros e apostilas.
Não é para menos. Até porque não se deve censurar quem
sonha com a melhoria do seu
padrão de vida e luta por ela.
Mas, se fôssemos confiar
exclusivamente na sorte, o país
baniria de seu território os empreendedores. A vida segue
além das loterias, assim como
dos concursos, que, antes de serem encarados como uma obsessão, melhor seria se fossem
vistos como oportunidades naturais que a carreira oferece.
Há uma nítida diferença
entre se preparar para uma carreira e se preparar unicamente
para concursos.
Preparar-se para uma carreira significa assumir o espírito
crítico que a formação jurídica
exige, com ênfase no entendimento do papel regulador que o
advogado, o juiz e o promotor
exercem na sociedade.
É necessário consolidar uma
base humanística e ética para
compreender que, na esfera da
administração da Justiça, o rito
de passagem se dá pelas portas
de um bom curso de direito.
É esse ambiente que capacita
seus alunos, até mesmo para
prestar concursos públicos.
O desprezo dessa etapa, em
nome da focalização nos concursos, gera profissionais deficientes e infelizes, a um custo
futuro alto para a sociedade.
JOSÉ FRANCISCO SIQUEIRA NETO é professor
da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da
Escola de Direito de São Paulo da Fundação
Getulio Vargas
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