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NEUROCIÊNCIA
Suzana Herculano-Houzel
A luz e as crises de enxaqueca
Não, não se trata
apenas de uma
dor de cabeça
mais forte. Enxaqueca é um tipo específico de
dor de cabeça que atinge cerca de 10% da população (nos
quais eu me incluo), é estupidamente forte (e considerada bem pior do que as dores
do parto por boa parte das
mães enxaquecosas) e é realmente debilitante (pois é difícil pensar em qualquer outra coisa, e ainda mais trabalhar, quando metade da sua
cabeça parece estar sendo
martelada ritmicamente por
dentro, você sente enjoo e o
melhor lugar do mundo é um
quarto escuro).
Quem não sofre de enxaqueca dificilmente consegue
apreciar quão excruciante
pode ser a dor durante uma
crise -felizmente para eles,
mas infelizmente para os
10% das pessoas que nessas
horas talvez não recebam a
devida compreensão.
Para o alívio desses 10%, os
neurologistas já reconhecem
e tratam a enxaqueca como a
condição debilitante que é, e
alguns hoje se unem a neurocientistas para entender de
onde vem a dor, por que ela é
tão forte, geralmente unilateral e associada a enjoo, e
por que pode ser disparada
por alguns estímulos específicos.
Para algumas pessoas,
por exemplo, o gatilho são
odores, como perfumes; para
outras, certos alimentos ou
exercício; para várias, luzes
fortes. No meu caso, imagens
de alto contraste, como roupas listradas ou monitores
de LCD no máximo, são tão
perturbadores que me dão
enjoo. Ler ao sol? Jamais.
Tenho óculos escuros espalhados em casa, no trabalho e
nos dois carros da família para ter certeza que sempre haverá um à mão.
Essa aversão à luz, ou fotofobia, é exacerbada durante a
crise de enxaqueca, quando
até a luz ambiente dói -fato
quase incompreensível para
quem é dono de um cérebro
normal. Um estudo publicado na revista "Nature Neuroscience" acaba de identificar uma fonte provável dessa
fotofobia: células ganglionares da retina que são sensíveis não a estímulos visuais
específicos, mas à intensidade da luz difusa.
O estudo
mostrou que os mesmos
neurônios que recebem sinais das meninges que envolvem o cérebro, em geral inflamadas na crise de enxaqueca e que de fato doem,
também recebem sinais dos
olhos sobre a luz ambiente.
Devido à convergência de sinais, quanto mais forte a luz,
mais forte o cérebro interpreta ser a dor que vem das
meninges.
Ainda que não se traduza
em nenhum novo tratamento imediato, a nova descoberta já faz algo importante:
explicar aos sãos que, para
um enxaquecoso em crise, a
luz dói tanto quanto em um
vampiro!
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de
"Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com
suzanahh@gmail.com
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