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NEUROCIÊNCIA
SUZANA HERCULANO-HOUZEL
Criatividade e a falta dela
Um dos lados divertidos de ser neurocientista de plantão são os convites para falar
para públicos diferentes, e na semana passada lá fui eu falar no workshop de inovação
de uma empresa de perfumes e cosméticos. O tema? Criatividade. Ótima chance para
usar meu lado criativo e montar uma palestra diferente das habituais -mas não sem
antes uma hesitação: o que, afinal, a neurociência pode dizer sobre o processo de
inovação?
Muita coisa. A começar pela falta de originalidade: você já notou que, nos filmes de
ficção científica, os alienígenas são sempre variações sobre humanos, répteis, polvos e
outros bichos com tentáculos ou seres amorfos, como amebas? Na melhor das
hipóteses, os criadores apelam para seres invisíveis que dominam seres humanos. Por
que tanta falta de criatividade?
No final dos anos 1990, quando se tornou possível acompanhar a atividade cerebral
em voluntários acordados e saudáveis, o neurocientista inglês Stephen Kosslyn
mostrou que a imaginação -a capacidade de visualizar mentalmente o que não está
acessível aos olhos ou a outros sentidos- usa as mesmas partes do cérebro que
recebem informações dos sentidos.
Acontece que, desde os anos 1970, sabemos que os sentidos dependem de
experiência para se firmarem no cérebro. Daí, por exemplo, a importância de corrigir o
estrabismo cedo: se o cérebro não tiver experiência com imagens convergentes dos
dois olhos ao mesmo tempo, ele não aprende a enxergar profundidade e pode acabar
praticamente cego para um dos olhos. O mesmo vale para sons, cheiros e imagens
que não vemos nunca: o cérebro não aprende a percebê-los. Um cérebro que nunca
viu movimento, por exemplo, não sabe o que fazer com isso. E um que nunca viu
araras ou ultravioleta não sabe imaginar o que é uma arara ou a cor do ultravioleta. Se
a imaginação depende dos sentidos e os sentidos, de experiência, então a imaginação
depende de experiência.
A boa notícia é que a experiência que nos limita a criatividade é algo que se adquire,
podendo ser desenvolvida. Quanto mais ricas em variedade forem nossas experiências
sensoriais, mais elementos teremos para combinar de maneiras inusitadas e criativas.
A má notícia é que, se somos limitados pela experiência, posso abandonar minhas
esperanças de um dia ver um extraterrestre realmente diferente nos filmes -enquanto
um de verdade não vier à Terra...
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro
"Fique de Bem com o Seu Cérebro" (Editora Sextante) e do site O Cérebro Nosso de
Cada Dia
(www.cerebronosso.bio.br)
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