São Paulo, terça-feira, 27 de setembro de 2011
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Nem tudo é Édipo

Para críticos, teoria freudiana é limitada ao mundo familiar

DARIO DE NEGREIROS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A psicanálise é como a Revolução Russa, diziam os pensadores franceses Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix Guattari (1930-1992). Começou bem, acabou mal e ninguém sabe explicar por quê.
Juntos, eles escreveram "O Anti-Édipo" (Editora 34, 560 págs., R$59), uma das mais célebres críticas da teoria freudiana. No entanto, quando se encontraram pela primeira vez, Deleuze era um estudioso da psicanálise e Guattari era, ele próprio, um psicanalista.
"Jamais o encontro com Guattari teria sido fecundo se Deleuze não tivesse se sentido encurralado em relação à utilização da psicanálise", conta David Lapoujade, professor da Sorbonne, ex-aluno de Deleuze e ele próprio um crítico da teoria freudiana. Segundo essa visão, a psicanálise não seria capaz de perceber as influências sociais e políticas no comportamento das pessoas, interpretando tudo a partir do velho e limitado esquema triangular do Édipo: as relações entre o filho, o pai e a mãe.
"Por que os psicanalistas querem que o inconsciente signifique toda vez a mesma coisa: Édipo?", questiona Lapoujade. A crítica de Deleuze e Guattari vai além. Eles chegam a caracterizar os psicanalistas como "os novos padres". Enquanto para o cristianismo nasceríamos todos culpados pelo pecado original, para a psicanálise, o complexo de Édipo faria com que fôssemos culpados por desejar o que não podemos ter: o incesto.
"Eles querem impor uma concepção moral do desejo." Para o filósofo e professor da USP Vladimir Safatle, a mensagem da psicanálise é outra: nós não podemos ter tudo o que desejamos. E conhecer os limites do próprio desejo seria mais sabedoria do que moralismo.
"Qualquer pessoa pode encontrar isso em sua vida: há situações em que há várias coisas que você quer muito. E você só sabe que vai ter que perder alguma", diz Safatle. "É mais sábio saber lidar com isso do que criar a fantasia de que o desejo pode tudo." O filósofo discorda, ainda, de que a psicanálise isolaria a pessoa das questões sociais e políticas ao privilegiar suas relações familiares.

PORTA DE ENTRADA
Para ele, é o contrário: Freud vê a família como a porta de entrada na sociedade. Por ser nosso primeiro núcleo de socialização, ela se torna uma referência para relações sociais posteriores.
"A maneira como eu descubro o que é autoridade dentro do núcleo familiar, com a autoridade paterna, por exemplo, vai servir de referência para os meus comportamentos futuros."
Mas Safatle admite que alguns psicanalistas podem errar a mão ao tentar interpretar todos os fenômenos sociais a partir do esquema familiar e do Édipo. Ainda assim, a crítica deleuzeana seria muito radical. "Não é possível reduzir tudo à família, mas também não é possível ignorá-la."


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