São Paulo, terça-feira, 27 de setembro de 2011 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
NEURO SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com Neuropsicanálise existe?
Mark Solms bem que tentou, ao fundar, em 2000, a Sociedade Internacional de Neuropsicanálise, promover um trabalho interdisciplinar entre a psicanálise e a neurociência: ele gostaria de usar a neurociência para "comprovar" as teorias de Freud e usá-las como arcabouço intelectual para a neurociência. Na prática, a fusão não funciona, e eu diria que por uma razão bem simples: uma nunca precisou da outra. Freud propôs o que era cabível à sua experiência profissional, aos seus valores e aos seus conhecimentos limitados à neurologia da época, no contexto de uma Europa vitoriana pós-Darwin onde era tão problemático quanto importante lembrar que o ser humano tem impulsos como os outros animais. Então, como hoje, a psicanálise não dependia de respaldo neurocientífico: ela é um sistema fechado de crenças sobre o comportamento humano, de grande utilidade em casos de necessidade de insight e autoconhecimento -e zero utilidade em distúrbios como dependência química, transtornos obsessivos-compulsivos e esquizofrenia. Sim, há um enorme interesse em comum: compreender a mente humana. Mas foi justamente livre da psicanálise que a neurociência andou tanto. Hoje reconhecemos que o carinho materno na infância é fundamental ao desenvolvimento emocional; que os impulsos, sexuais e outros, são tão importantes para o comportamento que são orquestrados por um sistema dedicado (o de recompensa); e que tudo opera sob o controle de um sistema executivo que autoriza e torna conscientes só alguns dos processos. Mas doenças mentais não resultam de repressão falha, neuroses não são distúrbios de função sexual originados na infância e sonhos são só acontecimentos recentes ou passados revisitados pelo cérebro. Se Freud pensava assim ou não, pouco importa para a neurociência. E, para os psicanalistas, pouco importa onde ficam o id ou o ego, se é que ficam em algum lugar. Ainda que alguns, mais chegados à neurociência, tenham apreço pela liberdade de pensar para além dos ditames de Freud e gostem de saber no que a sua teoria erra ou acerta. Mas se não há "psicanálise" se a teoria psicanalítica não for seguida à risca, só o próprio Freud poderia rever seus conceitos à luz da neurociência e, então, propor uma neuropsicanálise. Enquanto isso não acontecer, a tal da "neuropsicanálise" continua não existindo... SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para Uma Vida Melhor" (Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com Texto Anterior: Mitos e Verdades: 'Você não deve saber nada sobre seu analista' Próximo Texto: Terapia popular: Nem sempre sai caro Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |