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VOZ DE MORADOR
Professor ensina rap para combater violência no Capão Redondo
"O jovem não tem vínculo com a escola, mas com a ONG ele tem", diz Paulo Magrão, vice-presidente da Capão Cidadão
WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Ninguém pisca. "Se der alguma coisa errada, é cadeia", diz
Paulo Roberto da Silva, 43, de
pé no palco que se abre para um
descampado usado como campo de futebol. Cercado por barracos de tijolos vermelhos, antenas parabólicas e caixas d'água azuis, no morro do Piolho,
Capão Redondo, zona sul de
São Paulo, ele discursa a 13 rapazes de 15 a 18 anos. Todos
moram ali, ou mais para cima.
E todos estão ansiosos por
uma chance na vida -ao menos
a de tocar numa festa com o
rapper e ídolo Mano Brown.
"Lugar pra trabalhar tem, mas
se vier às aulas e aprender a
mexer no som", diz Paulo Magrão, com a lista na mão. E ele
faz a chamada com dificuldade
-muitos erguem o braço: dos
13, dois são William; dois, Vinicius; Jonathan, tem mais dois.
"O curso de criatividade é para incentivar o moleque, afastar ele da droga e da violência",
diz Magrão, vice-presidente da
ONG Capão Cidadão, criada há
quatro anos em um dos bairros
mais violentos da cidade para
oferecer cursos como balé, artesanato e reforço escolar.
"E o jovem não tem vínculo
com a escola, mas com a ONG
ele tem." Assim, diz, todo o
bairro respeita. "Até o traficante. Ele não quer a vida dele para
o filho e o filho está aqui. Por isso, aqui nunca roubaram nada."
Há 36 anos no Capão, Magrão assume um tom profético
ao falar de violência -termo recorrente entre as palavras de
pouco plural. "A primeira vez
foi na escola, quando vi o servente esfaquear um aluno." Ele
tinha 14 anos. Pouco depois, viu
um rapaz ser morto a tiros, em
um posto de vacinação; era dia
das crianças. "Chacinas, vi muitas. Mas todo mundo no Capão
já viu um corpo caído no chão."
Um domingo, conta, foi ao
cemitério São Luiz, ali perto,
famoso por seus mortos por
causa de violência, e pediu ao
coveiro para contar as sepulturas abertas no dia. Eram 58.
"Eu já vi três gerações morrerem: amigos de infância, amigos de hoje e filhos de amigos.
Quando chega um moleque novo aqui falando de roubar e tal,
eu falo que vou dar um cartão
do São Luiz, pra ficar esperto."
Difícil é resistir ao desemprego e à falta de opções: ali não há
teatro, cinema, parque. "Tem
muita gente no ócio, jovens que
têm como lazer ir ao Habbib's,
gente que vai morrer sem nunca ter visto uma piscina", diz
Magrão. "Resultado: violência."
Mas Magrão não deixaria o
Capão. "Aqui me sinto seguro.
Quando comecei, olhava pros
meninos e pensava: quem deles
vai me matar? Hoje não mais."
Pois, apesar das histórias de final triste, é um evangélico esperançoso, que fez só a terceira
série, mas aprendeu "o resto na
vida". Casado, tem quatro filhas
-não teve seu menino. Mas
dorme aliviado. Sabe que não
terá filho envolvido no tráfico.
"Ali, onde tem barracos"
Mas qual, afinal, é o papel
desse moreno alto, de jeans e
All Star, cabeça raspada e cavanhaque (na verdade, um tufinho de pêlo), que chama atenção para os dentes faltando?
"Eu sou mais um ator cultural",
diz, explicando que, há anos, é
produtor de artistas como o escritor Fernando Jorge.
Claro que antes vendeu pirulito em circo e levou até elefante pra tomar banho na represa
Guarapiranga; foi "um dos primeiros balconistas homens do
centro"; e um militante de esquerda que participou de manifestações nos anos 80. Hoje
não tem mais partido.
Filho de um pernambucano
e de uma alagoana, nasceu em
Veleiros, na zona sul de São
Paulo, perto da represa de Guarapiranga. Viveu lá até os sete,
quando a família saiu correndo
por que a água, diziam, chegaria na porta. Acabaram no Capão Redondo, que então estava
longe da loucura demográfica
dos atuais 261 mil habitantes.
"Aqui era um lugar maravilhoso", diz Magrão, saindo pela
porta para mostrar o bairro
com o dedo indicador. "Eu pescava no riozinho que tinha ali.
E lá tinha um monte de eucaliptos, está vendo; bem lá onde
agora tem aqueles barracos."
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