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VOZ DE MORADOR
Secretária do Copan tem saudade do centro antigo
Responsável por atender os cerca de 2.000 condôminos do edifício, Zuzu relembra o glamour que marcou
a região central
Patricia Stavis/Folha Imagem
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Zuleika Martins, que há 41 anos mora no edifício projetado por Oscar Niemeyer na av. Ipiranga
WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Entre o momento que deixa
a cadeira de secretária na administração do Copan e a hora
que abre a porta do seu apartamento no bloco A do mesmo
edifício , cinco minutos depois,
Zuzu diz "até amanhã" umas 12
vezes. Ela não caminha, passeia
em ziguezague pelos corredores e colunas de concreto, desviando das poucas pessoas que
não conhece e cumprimentando as outras que vê todo dia,
desde que foi morar no número
200 da av. Ipiranga.
"Isso é uma doença, viu? Você vem morar aqui, acha que
vai ficar um tempinho e depois
vê que deixou aqui uma vida."
O vaticínio sai entre uma tossida e outra, na voz rouca com sotaque ítalo-paulistano de Zuleika Martins. Ela então põe os
óculos e metralha a calculadora, contando quantos de seus
74 anos deixou escoar entre o
concreto armado de Oscar Niemeyer. "Já são 41 anos, benhê.
É pouco ou quer mais?"
E ela fala girando na cadeira,
entre a máquina de escrever, a
calculadora e o balcão onde
atende muitos dos cerca de
2.000 condôminos. "Aqui atendo público, bato boleto, carta se
precisar; faço café e dou cafezinho", diz, entre resignada e orgulhosa. "O que eles fazem no
computador, essa aqui que vos
fala bate tudo à mão, parampampam, um monte de boleto
assim. Até hoje não tenho computador, não adianta. Não sou
louca. Sou antiga."
Os cabelos ruivos ganham
hena a cada 15 dias. Cada mão
tem um anel no dedo do meio.
No pescoço, um grosso pingente multicolorido desce até o
baixo decote, sobre a blusa de
oncinha. É assim que ela trabalha no lugar que conhece de cor
-pergunte a Zuzu o número de
apartamentos e ela dirá que são
1.160, em seis blocos. Poderá
ainda falar sobre o projeto e o
brise soleil -sem detalhes artísticos, mas com boas pitadas
de segredos de inquilinos.
"Fui bem criada, benhê"
Em seu apartamento, no próprio Copan, três reis magos no
alto do altar na parede da sala
atestam que ela nasceu no dia
seis de janeiro de 1934, dia de
Reis. A casa abriga ainda 14
imagens de santos e anjos de
gesso, 12 duendes e uma vela
para o anjo da guarda (ela não
sabe qual), além de 11 porta-retratos com mais de 50 fotos.
Filha de dentista, "graças a
Deus", Zuzu nasceu em família
abastada, no Alto da Lapa. Que
o digam as fotos -Zuzu mocinha, de maiô, posando no litoral paulista, ganha destaque.
Na família, explica, é "tutti italiano", desde que o avô Giuseppe Altafini trocou a Itália pela
rua Dom João V. Bons tempos,
diz. Mas como não quis estudar, teve que trabalhar, já aos 18
anos, em uma perfumaria. Desde então, "sempre fui secretina.
Mas secretina direita".
O pão de cada dia ela compra
pré-cozido em um restaurante
chique do shopping Pátio Higienópolis. Pois Zuzu é fina.
"Eu não vou a boteco não, benhê. Eu bem fui criada, pelo
amor de Deus." Isso desde os
tempos em que passeava com a
mãe pelo centro, onde havia as
coisas boas dos anos 40. "Minha mãe comprava tecidos na
casa Som, era chiquérrimo. Na
praça do Patriarca tinha, lá na
perfumaria mais chique do
mundo, a colônia Mitsuko."
Mas o glamour só subsiste
nas fotografias e memórias de
Zuzu. "Hoje é Casas Bahia, é
grito na rua", diz, franzindo a
testa. "Na av. Ipiranga, você
não anda mais. A Barão de Itapetininga está uma sujeira. Você vê o viaduto do Chá, tão lindo, como é que ficou; a praça do
Patriarca...a rua Direita, meu
Deus. Eu sei que os anos mudam, as coisas crescem, mas
não tão para pior."
O que sobrou do luxo antigo
do centro, Zuzu aproveita bem.
São as festas dadas por gente
granfina nos apartamentos da
avenida São Luís. É lá, na cobertura da amiga ("gente finíssima"), que passa o Réveillon.
Aposentada pelo INSS, Zuzu
depende do salário de secretária. "Não sei fazer outra coisa. E
gosto". Mas tem pensado em
mudar de vida -espírita, diz,
tem "sentido" que, em setembro, talvez se aposente de vez e
divida a solidão. Zuzu não casou por exigência, queria alguém especial. "Mas parece
que estou conhecendo." Foi em
junho que saiu do médico encantada. "Ele estava ouvindo
Nat King Cole, "Adios Mariquita Linda.'". Mas ela logo muda
de assunto, que, afinal, "eu tenho mais o que fazer".
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