São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

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VOZ DE MORADOR

Secretária do Copan tem saudade do centro antigo

Responsável por atender os cerca de 2.000 condôminos do edifício, Zuzu relembra o glamour que marcou a região central

Patricia Stavis/Folha Imagem
Zuleika Martins, que há 41 anos mora no edifício projetado por Oscar Niemeyer na av. Ipiranga

WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Entre o momento que deixa a cadeira de secretária na administração do Copan e a hora que abre a porta do seu apartamento no bloco A do mesmo edifício , cinco minutos depois, Zuzu diz "até amanhã" umas 12 vezes. Ela não caminha, passeia em ziguezague pelos corredores e colunas de concreto, desviando das poucas pessoas que não conhece e cumprimentando as outras que vê todo dia, desde que foi morar no número 200 da av. Ipiranga.
"Isso é uma doença, viu? Você vem morar aqui, acha que vai ficar um tempinho e depois vê que deixou aqui uma vida." O vaticínio sai entre uma tossida e outra, na voz rouca com sotaque ítalo-paulistano de Zuleika Martins. Ela então põe os óculos e metralha a calculadora, contando quantos de seus 74 anos deixou escoar entre o concreto armado de Oscar Niemeyer. "Já são 41 anos, benhê. É pouco ou quer mais?"
E ela fala girando na cadeira, entre a máquina de escrever, a calculadora e o balcão onde atende muitos dos cerca de 2.000 condôminos. "Aqui atendo público, bato boleto, carta se precisar; faço café e dou cafezinho", diz, entre resignada e orgulhosa. "O que eles fazem no computador, essa aqui que vos fala bate tudo à mão, parampampam, um monte de boleto assim. Até hoje não tenho computador, não adianta. Não sou louca. Sou antiga."
Os cabelos ruivos ganham hena a cada 15 dias. Cada mão tem um anel no dedo do meio. No pescoço, um grosso pingente multicolorido desce até o baixo decote, sobre a blusa de oncinha. É assim que ela trabalha no lugar que conhece de cor -pergunte a Zuzu o número de apartamentos e ela dirá que são 1.160, em seis blocos. Poderá ainda falar sobre o projeto e o brise soleil -sem detalhes artísticos, mas com boas pitadas de segredos de inquilinos.

"Fui bem criada, benhê"
Em seu apartamento, no próprio Copan, três reis magos no alto do altar na parede da sala atestam que ela nasceu no dia seis de janeiro de 1934, dia de Reis. A casa abriga ainda 14 imagens de santos e anjos de gesso, 12 duendes e uma vela para o anjo da guarda (ela não sabe qual), além de 11 porta-retratos com mais de 50 fotos.
Filha de dentista, "graças a Deus", Zuzu nasceu em família abastada, no Alto da Lapa. Que o digam as fotos -Zuzu mocinha, de maiô, posando no litoral paulista, ganha destaque. Na família, explica, é "tutti italiano", desde que o avô Giuseppe Altafini trocou a Itália pela rua Dom João V. Bons tempos, diz. Mas como não quis estudar, teve que trabalhar, já aos 18 anos, em uma perfumaria. Desde então, "sempre fui secretina. Mas secretina direita".
O pão de cada dia ela compra pré-cozido em um restaurante chique do shopping Pátio Higienópolis. Pois Zuzu é fina. "Eu não vou a boteco não, benhê. Eu bem fui criada, pelo amor de Deus." Isso desde os tempos em que passeava com a mãe pelo centro, onde havia as coisas boas dos anos 40. "Minha mãe comprava tecidos na casa Som, era chiquérrimo. Na praça do Patriarca tinha, lá na perfumaria mais chique do mundo, a colônia Mitsuko."
Mas o glamour só subsiste nas fotografias e memórias de Zuzu. "Hoje é Casas Bahia, é grito na rua", diz, franzindo a testa. "Na av. Ipiranga, você não anda mais. A Barão de Itapetininga está uma sujeira. Você vê o viaduto do Chá, tão lindo, como é que ficou; a praça do Patriarca...a rua Direita, meu Deus. Eu sei que os anos mudam, as coisas crescem, mas não tão para pior."
O que sobrou do luxo antigo do centro, Zuzu aproveita bem. São as festas dadas por gente granfina nos apartamentos da avenida São Luís. É lá, na cobertura da amiga ("gente finíssima"), que passa o Réveillon.
Aposentada pelo INSS, Zuzu depende do salário de secretária. "Não sei fazer outra coisa. E gosto". Mas tem pensado em mudar de vida -espírita, diz, tem "sentido" que, em setembro, talvez se aposente de vez e divida a solidão. Zuzu não casou por exigência, queria alguém especial. "Mas parece que estou conhecendo." Foi em junho que saiu do médico encantada. "Ele estava ouvindo Nat King Cole, "Adios Mariquita Linda.'". Mas ela logo muda de assunto, que, afinal, "eu tenho mais o que fazer".



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