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VOZ DE MORADOR
Almoxarife do Itaim Paulista gasta 4 h para ir e voltar
"Sobram menos de 20 horas pra eu trabalhar, viver e aprender", diz morador que pega todos os dias lotação, trem e metrô
WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
O portão de ferro meio retorcido se abre com um grunhido,
meio contra a vontade, por volta das 7h. É quando Paulo José
da Costa começa a peregrinação pelo transporte paulistano,
do Itaim Paulista até o trabalho, cerca de 40 km e duas horas depois. "Parte da minha vida está dentro da condução",
diz, rindo de orelha a orelha.
É que o trajeto começa no lotação Nossa Senhora do Caminho. Com fé, ele chega à estação
da CPTM, pega o trem lotado
até o Brás e lá o metrô até a Sé
-onde atravessa o "mar de
gente", troca a linha vermelha
pela azul; depois essa pela verde; e desce na estação Brigadeiro. Duas quadras a pé e ele então cruza a catraca, ajeita cabelo e entra no escritório. Às 9h.
É assim todo dia: duas horas
para ir, mais de duas para voltar. "Sobram menos de 20 pra
eu trabalhar, viver e aprender",
diz. Fazer o quê se precisa sustentar os gêmeos Micael José e
Jeniffer Antônia, 10? Queria
morar perto, gastar menos
tempo, "fazer um curso" -há
dez anos tenta terminar o ensino médio. Mas na zona leste o
aluguel morde só um sexto dos
R$ 1.200 que ganha, carteira assinada, como almoxarife de um
escritório de advocacia, na região da av. Paulista.
"O pessoal tem preconceito,
mas sou ZL e gosto daqui", diz
Magu -apelido do homem magro de 32 anos e olhos pretos
pequenos que brilham no rosto
moreno quando conta que, há
uns dez anos, "era molecão pichador". Pegava latas de spray,
subia com seu "visual punk"
nas portas dos trens da CPTM e
"assinava" nos muros em letras
pontiagudas: F.O.T.S. (Formação Organizada Tinta Spray).
Era o tempo da "galera do
trem", quando "ir para a cidade
era uma balada", diz um dos
amigos, que tomava com ele o
último vagão da linha F. Até
que Magu foi pego pelos seguranças e levado à polícia.
"Não tem lazer, é falta do que
fazer na periferia", diz. Os primeiros desenhos, fez aos 14,
quando começou a trabalhar
como office-boy. A primeira pichação foi em 1989; a última,
antes de os filhos nascerem.
Viu-se sem emprego, com a namorada grávida e reverteu o
prejuízo -virou office-boy no
local onde trabalha há dez anos.
A carteira de trabalho foi assinada um mês antes de ser pai.
Na época "a casa parecia casa, tinha tapete, cadeira, tudo".
Hoje é coberta por dentro e por
fora com grafites. Foi quando
deu uma festa para colegas pichadores. Começou com umas
cervejas e terminou com um
mosaico de assinaturas, que ele
pensa em apagar com tinta
branca -e pichar de novo.
"Sou largado igual os muros
da minha rua", diz Magu. É verdade que foi evangélico da Assembléia de Deus, mas hoje
acredita pouco. "Aqui quase todo lugar tem bar, igreja e pizzaria", brinca. "Mas falta lazer,
praça, tudo."
Hoje ele quer estudar fotografia. Mas como um "nóia"
-viciado em drogas- roubou
sua câmera, as fotos que publica em seu fotolog (do trabalho),
ele faz com o celular.
As rabiolas de pipas velhas
balançam nos fios dos postes,
enquanto Magu abre outra cerveja Glacial e serve os copos de
extrato de tomate, um para cada amigo que comemora com
ele o aniversário de 32 anos.
Toca o Nokia preto descascado
e é Vitão do trem a caminho do
trabalho (como operador de telemarketing). "Valeu irmão, se
puder cola aí", diz. Mas ele não
vai. Está em outro Itaim, o Bibi.
A distância, na família de Magu, parece congênita. Pai e mãe
deixaram Morro do Chapéu
(BA) e chegaram no Itaim pouco antes de ele nascer. O pai foi
por décadas porteiro do prédio
da TV Gazeta, na Paulista. Quase no mesmo lugar onde três filhos foram trabalhar. Normal
-como diz um amigo dos tempos do "último vagão", Magu "é
o cara que faz a ponte entre os
dois mundos."
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