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ORIGENS
Histórias de um suburbano convicto
Nos bairros nobres, uma viatura me dá sensação de proteção, já no Itaim Paulista fico pensando:
- Será que vão me enquadrar?
ALESSANDRO BUZO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Estava eu na produtora que
trabalho, quando surgiu um
trampo no Itaim Bibi, alguém
tinha que ir no INPI [Instituto
Nacional da Propriedade Industrial], se informar sobre o
que faltava para registrar o nome "Buzão - Circular Periférico", que é o quadro que apresento no programa "Manos e
Minas", da TV Cultura. Me ofereci para ir eu mesmo.
Vinte minutos e o buzão vira
na rua Renato Paes de Barros, o
meu destino era a rua Tabapuã,
uma travessa, dei sinal, desci e
pensei em almoçar, num restaurante vi placa indicando
pratos como risoto de camarão,
molho não sei das quantas e
preços na faixa de R$ 35.
Outros parecidos, desisti e virei na rua Tabapuã, muitas câmeras por todo lado, muros altos, em um deles plaquinhas
traziam o desenho de um cachorrinho e a frase: "Retire os
dejetos de seu animal, você está
sendo filmado".
Três câmeras apontadas, que
bom não estar com um cachorrinho. Imaginei o cachorro defecando e o dono tentando fugir da cena do crime sem limpar, vários seguranças armados
pulando do muro alto, sirenes,
holofotes. - Não se mexa, você
está cercado.
Cheguei no INPI, câmeras no
portão de entrada, na recepção
a mulher disse: - O sr. pode tirar
o boné para tirar uma foto.
Imaginei o Big Brother, não
deve ter tanta câmera como a
rua Tabapuã.
Moro no Itaim Paulista, bairro no extremo leste de SP, com
cerca de 320 mil habitantes.
Um bom lugar apesar do descaso público e dos 38 km que separam a gente do centro.
Ali me sinto bem. É lá que escrevo meus livros e é lá que
cresce meu filho, gosto tanto do
lugar que costumam me chamar de suburbano convicto.
Algumas coisas mudaram,
como a Estação de Trem do
Itaim Paulista, nem sonhava
em ver uma ali com escadas rolantes, até elevador para deficiente físico tem, coisa de primeiro mundo, querendo saber
mais sobre o assunto acesse minha coluna no site (www.itaim
paulista.com.br), O Trem do
Século XXI, pra variar mostro
que nem tudo são flores.
O contraste social entre o
Itaim Bibi e o Itaim Paulista é
gritante.
Não interessa aos que hoje
têm o poder, dos políticos aos
donos de canais de TV, que o
povo se instrua, para manter
esse contraste que a alguns interessa, é mais fácil para ele
controlar e manter o poder, se
o jovem ouve "Créu", melhor
para quem está no poder, o povo da periferia ouvindo Latino,
Ivete Sangalo, Daniel, Harmonia do Samba, do que escutando Racionais Mc's, MV Bill,
Rappin Hood, GOG e outros.
A PM por exemplo, na região
central e bairros nobres, uma
viatura me dá sensação de proteção, já no Itaim Paulista fico
pensando: - Será que vão me
enquadrar?
Assim como a periferia é o
quilombo moderno e todos nós
(até quem não se assume) somos quilombolas, a polícia de
hoje é o capitão do mato de ontem.
Vamos falar de saúde, estava
um tempo, sofrendo de dor no
ouvido, meu amigo Toni Nogueira da produtora que trabalho pegando no meu pé: - Vai
no médico, ouvido não é brincadeira, vai esperar ficar surdo?
Explicava pra ele que na periferia não adiantava nada eu ir
no hospital, porque tudo vai
pro clinico geral e ele só receita
Cataflan, disse isso algumas vezes, inclusive nos que a dor
apertava e eu tomava Cataflan,
me auto medicando.
O assunto voltou a tona, ele
disse: - Chega cedo que te pago
um especialista. Fomos até o
Hospital Paulista, na Vila Clementino, a recepcionista disse:
- Qual o convênio ?
Meu amigo disse: - É particular. - Sim senhor, a consulta é
R$ 150.
Pagamos e fomos atendidos
pelo dr. Miguel Kaoru Yoshio,
simplesmente um dos diretores do hospital, em meia hora
ele examinou boca, nariz e finalmente ouvido, fez 1.001 perguntas e uma lavagem, eu não
tinha nada, a lavagem resolveu
o problema e nem remédio ele
receitou.
Uma semana depois meu sogro, que é aposentado e trabalhou a vida toda, estava com
dor de ouvido, perdeu uma manhã na fila para chegar ao dr., o
mesmo sentado em sua cadeira, ouviu as lamentações de dores do meu sogro, pediu para
ele virar a cabeça, nem levantou, não encostou um dedo e
disse: - Tem um caroço no seu
ouvido. E receitou CATAFLAN.
Se o espaço fosse maior, iria
falar de educação e outros assuntos, mas fica para a próxima.
ALESSANDRO BUZO é escritor e apresentador
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