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Copa 1958
Nasce um rei
Talento mais promissor da equipe de 1958, ex-jogador lembra seu melhor ano e conta que pagou promessa de título ao pai
RODRIGO BUENO
ENVIADO ESPECIAL A SANTOS
Em 1958, o mundo descobriu
o Brasil. Em 1958, o mundo
descobriu Pelé. Para muitos,
este texto parece redundante,
já que Brasil e Pelé são sinônimos em várias partes do planeta. Em Santos, no escritório do
"Rei", Pelé falou à Folha como
chegou à majestade na Suécia.
FOLHA - Temeu não ir à Copa por
ser jovem ou por estar lesionado?
PELÉ - Podia esperar não ser
convocado, pois tinha 16 para
17 anos, mas, como tinha jogado a Copa Roca, estava muito
confiante na minha convocação. Só não tinha certeza. Havia
muitos jogadores na época, rivalidade danada entre Rio e São
Paulo, e tinha o Luizinho, que
estava arrebentando no Corinthians. Todo mundo queria que
o Luizinho fosse convocado. Aí
convocaram o Dida e o Moacir,
do Flamengo. Pensei que iam
convocar o Luizinho porque
era do Corinthians.
FOLHA - E um amistoso com o Corinthians quase te tirou da Copa...
PELÉ - Para a seleção, era treino. Para o Corinthians, jogo.
Quando tive a contusão, que foi
casual, começaram a dizer que
o Ari Clemente [zagueiro corintiano] foi maldoso, mas ele
não teve intenção. Torci o tornozelo e o joelho. Todo mundo
falava só do joelho. Na época,
não tínhamos os recursos de
agora. Tratamento era toalha e
bolsa quentes, massagem com
pomada que aquecia, contraste,
metia o pé no balde de gelo...
FOLHA - Foi só pela contusão que
você começou a Copa fora do time?
PELÉ - O brasileiro esquece fácil as coisas. Quando fui convocado, já era titular na Copa Roca. Estreei no Maracanã contra
a Argentina. Fiz um gol e fomos
campeões em São Paulo. A confusão na convocação foi a do
Telê, que jogava no Fluminense. Quando convocaram, meu
pai estava em Bauru, ninguém
sabia direito se era Telê ou Pelé.
Foi a única dúvida. Uns dizem
que eu era reserva do Dida. Não
é verdade. Quando me machuquei, o Dida começou a entrar.
FOLHA - Você tinha idéia do que viraria quando foi para a Copa-1958?
PELÉ - Eu era o mais novo. A
única coisa que eu queria e pedia a Deus era provar para o
meu pai que eu era titular da seleção. O que eu tinha na minha
mente era ser igual ao meu pai.
O máximo que eu pensava era
isso. O Dondinho era muito conhecido, campeão em Bauru.
FOLHA - Como o grupo te tratava?
Eles te conheciam e ajudavam?
PELÉ - Na Copa Roca, não era
conhecido. Depois da convocação, o pessoal me adorava. O Zito, o Gilmar, todos me adoravam, me chamavam de Neguinho. O Zito, de brincadeira, começou a me chamar de Gasolina porque eu era muito rápido,
tinha explosão. Já tinha bronca
do apelido de Pelé. Falei para o
Zito parar de me chamar de Gasolina porque, se não, todos na
seleção iam me chamar. Aí parou. Tinha amizade com ele e o
Pepe. Na Suécia, tentaram me
ensinar inglês: "Good morning", "good night". O Zagallo é
que falava: "Vamos aprender
inglês". Tratavam-me como
um jogador normal.
FOLHA - E os dirigentes e a comissão técnica? Eles te protegiam?
PELÉ - Eles me tratavam como
um filho, mas isso antes de ir
para a Europa. O doutor Paulo
Machado passava todo dia na
concentração para ver como eu
estava. O Feola [técnico] falava:
"Como é que está aí, vai dar?".
O Mário Américo, meio gago,
falava: "Doutor, pode ficar seguro que ele vai jogar". Meu
joelho ficava com bolha da toalha quente. Quando chegamos
à Europa, não atuei nos primeiros jogos, mas já estava bem. O
Paulo Machado falou com o
Paulo Amaral, preparador físico, e o Mário Américo: "Vocês
garantem?". "Garantimos."
"Pode treinar?" "Pode."
FOLHA - Dizem que você queria
treinar às vezes e não deixavam...
PELÉ - Quando havia treino dos
reservas, quem jogou descansava. Às vezes, eu treinava no gol.
Na segunda, eu queria treinar, e
os caras não deixavam. Falava
que era brincadeira, dois toques, que eu estava bem...
FOLHA - Você já ambicionava em
1958 ser melhor do mundo, ""Rei"?
PELÉ - Sempre tive muita confiança em mim, que ia jogar na
seleção, que ia ser titular. Claro
que minha meta era jogar igual
ao meu pai, mas, quando comecei a viajar, o pessoal começava
a falar "Pelezinho". Aí comecei
a ter mais confiança. Mas essa
coisa de ser "Rei" nunca pensei.
Foi uma revista francesa a primeira a me chamar de "Rei".
Foi quando jogamos com a
França. "Nasceu um rei: Roi
Pelé." Depois, os ingleses chamaram de King Pelé. Em 1950,
tinha prometido para meu pai
que ia ganhar uma Copa. Era
garoto, tinha nove para dez
anos, e, quando vi meu pai chorando, falei: "Não se preocupa
que eu vou ganhar uma Copa".
Falei porque vi meu pai chorando. O que era para ser festa
virou velório. Oito anos depois,
eu estava na Suécia.
FOLHA - Em 1958, além da Copa,
você fez 58 gols no Paulista, recorde.
Foi seu melhor ano como jogador?
PELÉ - 1958 não foi meu melhor
ano, foi meu melhor tudo. Depois, eu peguei mais experiência, mas em 1958 que eu peguei
confiança, amadureci, o Brasil
ganhou a primeira Copa... Isso
me deu uma força psicológica
que não tinha outra escola que
pudesse me dar. Para mim,
1958, com a idade que eu tinha
e a maturidade que peguei, foi a
base para toda a minha vida.
FOLHA - A seleção de 1958 tinha
muitos craques. Taticamente, a
equipe também era poderosa?
PELÉ - Ao contrário do que
muita gente pensa, nosso time
era o que mais se preocupava
com a tática. Não parecia porque tínhamos um ataque muito
bom, principalmente com Garrincha e Pelé. A mesma coisa
que a gente fazia em 1970 fazíamos em 1958, só ficava o Vavá
na frente. Eu vinha na intermediária. O Zagallo, todo mundo
sabe, jogava quase de lateral-esquerdo, porque o Nilton Santos descia muito. A gente pegava sempre os adversários no
contra-ataque. Todos tinham
liberdade de jogar, mas, na hora
de voltar, na hora da defesa, a
gente fazia exatamente o que se
faz agora. Como os times de hoje não têm grandes jogadores
com possibilidade para lançamento, como um Didi ou um
Gérson, fica difícil a saída, a bola sai lenta. Nosso time era
muito rápido. Muitos falavam
que o Feola não entendia muito
de futebol, não é verdade. Tínhamos uma maneira de jogar.
FOLHA - A seleção de 1958 foi melhor que a de 1970 para você?
PELÉ - Individualmente, acho
que a de 58 tinha muito mais jogadores que a de 70. Se você for
ver, Didi, Nilton Santos, Garrincha, Pelé, Bellini, excelente
em bola alta, Zito no meio. Se
comparar o número de jogadores, 58 tinha a melhor equipe.
FOLHA - O Brasil ganharia o título
mundial sem você?
PELÉ - Difícil dizer. Se tirassem
os gols que fiz, não dava. Se não
tivesse alguém com a mesma
sorte para fazer os gols que fiz,
talvez tivéssemos perdido da
França, empatado com a Suécia. O gol no País de Gales deu a
vitória para classificarmos. Tudo é destino. Em 1974, quando
estava muito bem, queriam que
jogasse a Copa. Mas já tinha me
despedido da Copa. Não joguei,
e o Brasil perdeu. Se tivesse voltado, poderia perder também.
FOLHA - Qual foi o maior adversário em 1958? Em algum momento
achou que o Brasil pudesse cair?
PELÉ - A França era o time que
respeitávamos. Não joguei os
dois primeiros jogos, o Brasil
não foi bem, mas tinha certeza
de que, se o Brasil ganhasse da
França, seria campeão. Não
perderíamos para outra equipe.
E o melhor jogo nosso foi com a
França. Contra a Suécia, time
da casa, não tinha medo. Muita
gente acha o jogo com o País de
Gales o mais difícil, mas foi difícil porque só se defendiam. Não
tivemos perigo. A França era a
única que podia nos derrotar.
FOLHA - Qual gol foi mais bonito?
PELÉ - O contra a Suécia, o do
chapéu. Contra o País de Gales,
foi meio chapéu. O europeu não
conhecia chapéu, nunca tinha
visto. Todos começaram a falar.
FOLHA - Chorou muito lá?
PELÉ - Sou muito emotivo, choro à toa. Chorei na final depois
que fiz o gol de cabeça. Muita
gente não sabia o que estava
acontecendo, todo mundo me
abraçou ali. E, no final, também
chorei quando acabou o jogo.
FOLHA - Tinha noção da importância daquela conquista para o país?
PELÉ - A gente não tinha. A comunicação era difícil. Após os
jogos, a gente queria falar com a
família, dizer que ganhou, e tinha que recorrer ao rádio amador. Meu pai ia à Bauru Rádio
Clube telefonar para mim porque não tinha telefone. O que
me aborrecia é que os repórteres suecos vinham entrevistar e
perguntavam se tinha cobra no
Brasil, se a capital era Buenos
Aires. Isso me chateava.
FOLHA - Como foi a mudança em
sua vida após aquele título?
PELÉ - Teve festa em todo lugar. Para minha família, mudou. Para mim, não muito. Minha mãe contava que, nas festas que davam, ela e meu pai
não tinham roupa, não estavam
preparados. Tinha que alugar
terno, emprestar vestido da
amiga. Foi grande a mudança
social, foi um problema. Para
mim, aconteceu naturalmente.
FOLHA - Algumas promessas feitas
aos atletas não foram cumpridas...
PELÉ - Muitas. Uma das engraçadíssimas, em que até fui um
pouco indelicado, ocorreu em
Bauru. O prefeito me prometeu
um carro e marcou um dia para
eu receber. Pensei: "Ótimo, vou
ganhar um carro, tenho que tirar carteira". Achei que era um
conversível. Fui receber o carro
na praça, gente para chuchu, fizeram cobertura para eu receber o carro, aquela festa, banda
tocando o hino... Era uma romiseta. Quando vi, mudei a expressão. Uma promoção para
uma romiseta! Estamos agora
procurando essa romiseta para
colocar no museu em Santos.
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