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MELCHIADES FILHO
A Copa com a alma do torcedor
Para muitos, sobretudo os
europeus ocidentais, foi a
Copa da arbitragem, do
juiz ladrão, dos subterrâneos da
Fifa. A Copa ilegítima. O que é
uma injustiça, pelo menos até
que se comprove um esquema de
manipulação de resultados.
O apito sempre falhou. A "mão
de Deus" no gol de Maradona em
1986, a bola inglesa que (não) entrou no gol alemão em 1966, o pênalti-convertido-em-falta de Nílton Santos em 1962...
Sim, os árbitros capricharam
neste ano, a TV cada vez mais
aparelhada para flagrá-los "no
pulo". Mas a verdade é que a gritaria se deve muito porque os erros derrubaram as seleções da
Itália e da Espanha, as duas
maiores potências do futebol de
clubes -e as duas imprensas esportivas mais atuantes do planeta. Alguém falaria em "Copa ilegítima" se tivessem caído pelo
apito times menos cotados como
a Eslovênia e a Dinamarca?
Para outros, mais românticos,
esta foi a Copa das zebras, do
conto de fadas. Citam o tropeço
da França diante do Senegal. A
eliminação da Argentina logo na
primeira fase. A implosão de Portugal. O avanço de turcos e sul-coreanos às semifinais.
Mas o insólito também faz parte da antologia do esporte, não é
novidade deste Mundial. Os coreanos tinham derrubado a Itália em 1966. Os camaroneses já
haviam colocado a África no mapa da bola em 1990. A pouco cotada Bulgária chegou à semifinal
em 1994. Façanha repetida, quatro anos depois, pela Croácia,
ainda dizimada pela guerra civil.
Para outros analistas, foi a Copa da globalização, da homogeneização das táticas, do fim das
diferenças. A Suécia joga igual à
França, que joga igual à Espanha, que joga igual à Costa Rica...
Talvez seja melhor esperar que
as coisas decantem um pouco
mais, como propôs neste caderno
Carlos Alberto Parreira. Afinal,
os empolgados que haviam
anunciado a revolução dos "nanicos" se requebram até agora
para justificar que a decisão em
Yokohama tenha reunido justamente as potências históricas do
futebol, Brasil e Alemanha.
A primeira Copa do Mundo na
Ásia. A primeira Copa organizada por dois países. A primeira
Copa do século 21. A primeira
Copa itinerante (ou "caramujo",
como definiu a comissão técnica
da CBF, inconformada com o rodízio das cidades). A primeira
Copa pós-João Havelange. A Copa da arbitragem, a Copa das zebras, a Copa da globalização.
Mais do que tudo isso, este foi o
Mundial da comoção. Quem teve
a saúde, a força, a diligência de
varar as madrugadas e as manhãs de junho pôde relembrar o
que o futebol clubístico paulatinamente deixou de oferecer no
Brasil, tamanha a desmoralização dos torneios nacionais.
Foi impossível não torcer pelos
senegaleses diante dos antigos
campeões do mundo. Assim como foi impossível não torcer, nem
que dissimuladamente, pela reabilitação do supercraque Zidane.
Foi impossível não vibrar com
os sul-coreanos na primeira fase,
ainda mais diante do espetáculo
de seus neotorcedores nas ruas
vermelhas de Seul. Assim como
foi impossível não torcer contra
os sul-coreanos após a "marmelada" que abateu os espanhóis.
Foi impossível, por mais primitivo, não torcer contra os argentinos, contra a soberba do técnico
Marcelo Bielsa. Do mesmo modo,
foi impossível não torcer para
que os italianos, no mínimo, tivessem os cabelos empastelados.
E, principalmente, foi impossível passar impávido pelos jogos
brasileiros. Emoção que, em 1998,
apareceu só no fantástico empate
contra a Holanda, na semifinal.
Neste ano, não, todo jogo balançou. O desespero com a zaga
na fase de classificação. A angústia com o vaivém da equipe, sempre uma surpresa na escalação. A
alegria pela recuperação de Ronaldo, pela confirmação de Rivaldo. A satisfação com o jogo redondo contra os ingleses. A raiva
pelo gol de bico contra os turcos
na semifinal. Com Scolari, foi
sempre assim. Doeu gostoso.
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