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A primeira Copa a gente nunca esquece
JUCA KFOURICom o perdão do que virou chavão, mas a primeira Copa a gente nunca esquece.
A minha, de corpo presente, foi a de 1982.
Aquela da não conquista mais doída de toda uma geração que ainda usava fraldas em 1950 e que me ensinou quão verdadeira é a frase de Darcy Ribeiro que dizia se orgulhar de suas derrotas.
Que derrota formidável!
Depois de ficar profissionalmente na retaguarda nas três Copas anteriores, voei para Espanha me beliscando: iria receber para fazer algo que muitos pagariam para ver.
A primeira Copa também tem disso: você embarca sem noção do quanto irá trabalhar.
Mas até o trágico 5 de julho, em Sarriá --tão trágico que o estádio acabou implodido--, tudo era festa.
Não chorei imediatamente aqueles 3 a 2 para a Itália de Paolo Rossi, autor dos três gols que eliminaram o Brasil. Não pude.
Dirigia a "Placar" e tinha de dar as instruções a quem estava comigo na tribuna de imprensa como, com lágrimas nos olhos, o bom amigo, e sempre brilhante jornalista, Carlos Maranhão que, na verdade, nem precisava de instrução alguma.
Desci ao devastado vestiário brasileiro com a esperança de que o juiz determinaria mais um tempo de jogo. Não era possível que aquilo estivesse acontecendo, como disse um jornal andaluz: "Não se entende mais este mundo: Brasil eliminado".
Tudo era muito diferente 32 anos atrás.
A começar pelo convívio com os jogadores.
Tudo era também muito mais simples, basta dizer que a epopeia aconteceu num palco acanhado de Barcelona.
A seleção era mais que um time recheado de craques. Era uma confraria, um grupo de amigos que você tinha vontade de levar para casa: Leandro, Oscar, Júnior, Cerezo, Falcão, Zico, Sócrates, que saudade!
Até, acredite, o presidente da CBF, Giulite Coutinho, era do bem. Autoritário, mas do bem.
Além do adorável Telê Santana.
Saí do vestiário com a chamada da capa da revista pronta, sugerida pelo Magrão: "Que pena, Brasil", sobre uma foto rasgada, literalmente, com três italianos comemorando o fim do jogo e dois brasileiros desolados.
Ali eu ainda não tinha consciência de que a Itália havia sido melhor num duelo extraordinário em que os amarelos jogaram 40 minutos como sempre --e os azuis 50 como nunca.
Jogassem 10 vezes, os brasileiros venceriam sete e empatariam duas, mas, naquele dia, os italianos venceriam.
Um dia ouvi do Magro, e nunca mais saberei se achava aquilo mesmo, que perder foi o que melhor poderia ter acontecido para eles porque, caso contrário, "ficaríamos insuportáveis".
Mais inesquecível que aquela tarde só o 23 de junho anterior, no estádio Benito Villamarin.
Imagine a cena: no gramado, a seleção goleava a Nova Zelândia por 4 a 0 e fazia evoluções sob o mágico sol das dez horas da noite de Sevilha. Bola de pé em pé, ao som da banda do navio-escola Custódio de Mello que tocava "Aquarela do Brasil", enquanto um marinheiro brincalhão empinava uma pipa rente à relva.
Ao meu lado, na arquibancada, a mulher amada, que havia chegado na noite anterior.