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Crônica
Ninguém trata os turistas como Eliézer, o motorista
VANESSA BARBARA COLUNISTA DA FOLHA, EM SALVADORNinguém trata os turistas como Eliézer, motorista do ônibus executivo que sai do aeroporto de Salvador, passa por hotéis ao longo da orla e chega à praça da Sé, depois de aproximadamente 34 quilômetros de percurso.
Já na saída, Eliézer pergunta a cada um dos passageiros qual o destino desejado --como não fala inglês, pede ajuda a outros turistas.
No meu caso, chegou a telefonar para o hotel usando o próprio celular: "Boa noite, meu nome é Eliézer, sou motorista da empresa Transalvador, estou transportando uma hóspede de vocês e vou deixá-la no largo da Piedade", disse ele, com a clareza e a circunspecção de um lorde.
"Gostaria de pedir um ponto de referência do hotel. É próximo ao Bradesco? Ali no Campo da Pólvora? Pronto... perfeito."
Ele não só indica o caminho como dá conselhos firmes, tal qual um pai postiço soteropolitano. Quando um rapaz perguntou se poderia caminhar até o hotel em vez de tomar um táxi, ele reagiu com preocupação e me explicou: "É melhor que ele não faça isso. Ali tem muito ladrão".
Num trajeto que demorou uma hora e meia, na véspera da partida entre Alemanha e Portugal, Eliézer despachou ao conforto de seus hotéis um total de 15 turistas, entre mexicanos, ingleses e alemães, revisando de vez em quando o trajeto: "Pituba, depois Rio Vermelho... Mar Hotel, Ondina... O senhor vai ficar onde mesmo?".
A certa altura, chegou a sair do ônibus, atravessar a rua e pedir informação sobre a localização de um albergue.
Aos estrangeiros que desceriam no Pelourinho rogou que não pedissem indicações a estranhos, mas recorressem a policiais ou taxistas. A um turista apressado insistiu: "Tenha paciência... Por favor, tenha paciência".
A linha S10, que opera apenas durante a Copa, tem uma tarifa de R$ 28 e passa de 20 em 20 minutos. É uma alternativa razoável aos táxis, que, nos quiosques localizados dentro do aeroporto, cobram R$ 130 pelo trajeto.
É uma opção também ao metrô de Salvador, que, depois de 14 anos em obras, finalmente foi inaugurado. Por enquanto, o sistema possui 6,6 km de extensão e consumiu R$ 1 bilhão, entre denúncias de superfaturamento e paralisações sucessivas. Nos dias de jogos, será exclusivo para torcedores com ingresso.
Na véspera da partida de ontem, de forma irônica, Eliézer acabou trabalhando até tarde e não sabia como ele próprio voltaria para casa. Talvez precisasse chamar um táxi e pedir reembolso da firma.
Ninguém trata os turistas como Eliézer. Resta saber como ele está sendo tratado.