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FUTEBOL
Heróis e super-homens
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Um dos motivos das más
campanhas de equipes de
grande tradição nos últimos campeonatos é a ausência de um bom
planejamento técnico, agravado
pela desorganização de todo o futebol brasileiro.
O planejamento de uma equipe
deveria ser feito, no mínimo, por
um período de 12 meses.
Como são frequentes as trocas
de treinadores, os planos mudam
a cada substituição. O novo técnico chega com outro discurso, preferência por outros jogadores, esquema tático e método de trabalho e com a sua turma de auxiliares. Muitos desses são chamados
mais pela amizade do que pela
competência.
A falta de continuidade prejudica bastante o rendimento da
equipe. Raramente dá certo a troca de técnico durante o campeonato. Algumas vezes, o novo treinador recupera a confiança e o
entusiasmo dos jogadores e torcedores, o time ganha alguns jogos,
mas, logo que termina a lua-de-mel, tudo acaba voltando ao que
era -ou piora.
Uma das soluções para o problema seria, obviamente, manter
o treinador também no mínimo
por um período de um ano, a não
ser que ele cometesse graves erros.
Nesse caso, o treinador dispensado receberia os salários durante o
período do contrato, desde que estivesse sem clube. Isso evitaria as
frequentes trocas. Os treinadores
também pagariam pesadas multas se deixassem uma equipe no
meio do caminho.
Outra solução, que não anularia a primeira, seria a contratação de um coordenador técnico,
que faria os planos para o ano inteiro, escolheria o treinador e a
comissão técnica, aprovaria a
chegada de novos jogadores e supervisionaria todo o trabalho da
comissão técnica. Teria inclusive
a liberdade de opinar e de dar sugestões ao técnico.
O treinador seria responsável
pela escalação dos jogadores, pelo
planejamento tático, pela conduta durante as partidas e pela execução dos treinamentos.
Não se pode confundir a função
do coordenador com a do atual
diretor remunerado, gerente ou
supervisor. Eles são responsáveis
pela logística, organização e execução dos procedimentos burocráticos. Para comandar a comissão técnica, o coordenador teria
de ter um amplo conhecimento
sobre futebol e áreas afins.
Para o esquema funcionar bem,
o técnico e o coordenador teriam
de estar afinados, cada um respeitando os seus limites e apoiando o
trabalho do outro. A cumplicidade é essencial. O coordenador não
pode sonhar com o cargo do técnico. Nem o treinador deve desejar
ter mais poderes do que tem.
Não existe esse coordenador nos
clubes. Os que têm tal título, não
fazem nada, fingem que fazem ou
executam apenas funções burocráticas, como estar sempre à disposição do presidente do clube.
Com exceção do Zagallo em
1994, os coordenadores técnicos
da seleção, como Zico em 1998 e
Antônio Lopes em 2002, foram figuras decorativas. Eles foram impostos pela CBF e engolidos pelos
treinadores. Os dois poderiam,
pelo menos, ter assistido aos jogos
lá de cima, de onde se vê melhor,
para depois passar as informações aos técnicos. As únicas funções de Antônio Lopes no banco
eram a de rezar o terço e beijar a
medalha, o que fez muito bem.
Zagallo era o ídolo e amigo de
Carlos Alberto Parreira desde a
Copa de 70. Isso ajudou muito a
atuação da dupla na Copa de 94.
Duas pessoas entrosadas são mais
produtivas do que uma. Ninguém
é dono da verdade.
A conquista da Copa de 2002 foi
emocionante, merecida, porém
teve o lado negativo. Fortaleceu-se o conceito de que a presença de
um grande chefe, mistura de pai,
herói, super-homem e ditador, é
essencial para a vitória. Isso me
lembra das opiniões estreitas e retrógradas de algumas pessoas que
acham que o melhor para um
país é um ditador competente.
A principal qualidade e mérito
do Felipão no Mundial não foi a
de ser um grande chefe, mas, sim,
a de escalar o trio ofensivo formado pelos dois Ronaldinhos e Rivaldo. Os três jogaram com liberdade e nas funções corretas. Outro técnico provavelmente deixaria o Ronaldinho no banco e reforçaria a marcação.
Voltando ao coordenador, a
sua presença dividindo funções e
responsabilidades com o técnico é
ainda uma utopia. Os técnicos
não querem dividir o poder, e os
torcedores, influenciados pelo
show que se transformou a vida
atual, sonham com heróis e super-homens na direção das equipes e do país.
Na verdade, os heróis sempre
existiram. Eles são a projeção de
nossos sonhos e ideais.
E-mail
tostao.folha@uol.com.br
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