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FUTEBOL
O medo na hora do pênalti
ARTHUR NESTROVSKI
COLUNISTA DA FOLHA
Que tal entrar em campo
aos 49min do segundo tempo, numa final da Libertadores,
ser escalado para bater um dos
pênaltis que decidirão o jogo e a
chance de disputar o Mundial
com o Real Madrid, caminhar rumo à bola com o empate em 2 a 2,
saborear por antecipação o estouro da torcida, um segundo após a
bola estourar o alto das redes, pôr
o pé nela com toda a confiança
-e ver tudo sumir instantaneamente, acompanhando a trajetória velocíssima da esfera que se
vai um metro acima da trave?
E que tal ser o próximo a bater,
com o adversário um gol à frente?
A entrada nos acréscimos deu
um toque extra de dramaticidade
às tragédias de Marlon e Serginho, quarta-feira, no Pacaembu.
E a repetição, pela terceira vez
desde 2001, de uma derrota do
São Caetano em final de campeonato já é o bastante para se falar
em trauma, sintoma, destino.
Mas a verdade é que a cena se
tornou quase comum, desde que
as decisões por pênaltis foram
adotadas internacionalmente, na
década de 80. Com os jogos transmitidos pela TV, as prorrogações
quase não acontecem mais, porque atrasam muito o programa
seguinte. Sem falar que a dose mínima de sado-masoquismo envolvida no show dos pênaltis não
deixa de ter seus atrativos.
O rosto de Baggio: quem esquece a expressão do goleador budista italiano, na final da Copa de
1994, contra o Brasil, após bater
seu pênalti "como uma cambaxirra"? (Era Nelson Rodrigues
quem falava em cambaxirras; e
seria preciso um cronista-dramaturgo como ele, para dar conta da
catástrofe dos são-caetanenses.)
O jornalista inglês Andrew Anthony dedicou um livro inteiro ao
tema: "On Penalties" (Yellow Jersey Press, 2000). Para os ingleses,
a mera idéia da coisa provoca calafrios. Várias partidas decisivas
da seleção foram perdidas nos pênaltis. A leitura, entre divertida e
angustiante, do livro, revela o que
já se sabe: hoje em dia, o ônus do
pênalti é muito maior para o atacante do que para o goleiro. Antigamente não era assim.
É certo que o goleiro jamais teve
obrigação de defender uma bola
chutada, livremente, daquela distância. Mas um pênalti perdido
pertencia ao domínio do estapafúrdio, do absurdo, do grotesco.
Um pênalti jogado para fora era
um acidente fatídico, uma expressão de irracionalidade avassaladora. A sombra do impossível
sempre coloriu, decerto, a expectativa de quem assistia a uma cobrança. Mas era o tempero da
alegria. Um tempero quase voluntário, que servia para aumentar essa felicidade 99% garantida.
Para todos os efeitos, valia a
equação secular: pênalti = bola
na rede. O goleiro tremia.
E agora?
Ninguém aposta com segurança no atacante, quando tem pela
frente um Dida, um Rogério, um
Marcos. Até Tavarelli (do Olimpia) impõe respeito, e não só nas
circunstâncias especiais do São
Caetano, precisando só de um
empate, após ganhar no Paraguai; saindo na frente, mas permitindo a virada; e sentindo a
iminência de mais um vice-campeonato entalado na garganta.
Estatística de Anthony: quase
30% dos pênaltis cobrados vão
para fora, ou são defendidos. Será
que Marlon pensava nisso, enquanto escolhia como bater?
Mas não estava escrito no rosto
dele que chutaria para fora? Vendo pela TV, com o benefício das
câmaras, que não escondem um
centímetro de angústia humana
nessas horas, quem não sabia,
também, que Serginho já tinha
perdido o pênalti, ao vê-lo cruzar
a linha da grande área, antes sequer de dar a clássica ajustadinha na bola?
Em cada partida, é possível ver
uma tragédia de Dostoiévski, dizia Nelson Rodrigues. Dostoiévski
é pouco para o que se viu na
quarta-feira, confortavelmente
abrigados do frio nas nossas inocentes casas. Pobre Marlon, pobre
Serginho. Estão, agora, "naquele
ponto onde começa tudo a nascer
do perdido, lentamente", como
dizia o poeta Drummond (outro
que saberia comentar com sabedoria a derrocada do Azulão).
Poucos times brasileiros terão
passado pelo que o São Caetano
vem passando. A imagem de Jair
Picerni, expulso de campo e assistindo ao impensável da entrada
do vestiário, quase literalmente
do fundo do poço, entrará para a
saga nacional. Recém-fundado,
há meros 12 anos, o time tem uma
história e tanto para contar, mesmo se não chegou ainda ao final
feliz. Enfim: de alegrias, basta as
que o São Paulo vai nos dar, agora, com Reinaldo, Luís Fabiano e
Leandro. E tristezas terão de sobra aqueles outros dois.
E-mail nestrovski@uol.com.br
Tostão, em férias, volta a escrever
neste espaço em 4 de setembro
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