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FUTEBOL
Não basta ter sido craque
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Em todo o mundo, aumenta
progressivamente o número
de ex-atletas que trabalham nas
funções de treinador e de coordenador (gerente, diretor técnico ou
outro nome). Ótimo! É a tendência natural.
O passado de atleta facilita, mas
não é suficiente para exercer bem
uma nova função. É preciso ter
outras qualidades e conhecimentos que vão além dos gramados. A
condição básica é ter humildade e
consciência de que não basta ter
sido craque.
A experiência não passa de
uma função a outra. "A experiência é como um farol aceso iluminando para trás." (Pedro Nava)
Todo ex-atleta que inicia a carreira de técnico ou diretor técnico
é inexperiente.
A experiência é também relativa. Conheci no futebol e na medicina, e percebo em todas as atividades, que vários dos profissionais ditos experientes, por causa
do tempo, cometem sempre os
mesmos erros e não aprendem.
A maioria dos atletas se preocupa muito mais com o desempenho individual do que com o coletivo, os detalhes táticos e o trabalho da comissão técnica. São intuitivos. Brilham sem saber por
quê. São geralmente os melhores.
É impossível prever se um atleta
vai ser um ótimo treinador ou diretor técnico. Todo profissional
deve ser avaliado após médio
prazo. Há dezenas de fatores envolvidos no resultado de um jogo
e na conquista de um título.
Já querem rotular o Júnior de
técnico que não deu certo por não
ter conquistado títulos nas suas
duas passagens pelo Flamengo.
Não é justo. Júnior está no início
de sua carreira. Saberemos o seu
valor na função de treinador nos
próximos anos.
Um técnico que inicia a carreira, independentemente se foi craque ou não, deveria trabalhar inicialmente de auxiliar de um ótimo treinador ou nas categorias de
base e se preparar teoricamente
para o cargo. Não me refiro a ter
um diploma. É fácil conseguir
um. Mas, em qualquer atividade,
há exceções, os bem dotados, que
não precisam passar por etapas e
logo se destacam.
Fala-se muito na identificação
de um ídolo com o seu clube. Seria
mais fácil para ele desempenhar
outra atividade. Será? Júnior poderá ser um excelente técnico no
Corinthians, Flamengo ou em outro clube. Não faz diferença.
Acho até que não é boa a associação entre o passado e o presente. Poderia haver constrangimentos e exageradas trocas de gentilezas, pouco profissionais. O fator
positivo seria que as vaias e os
xingamentos de burro demorariam para acontecer.
Dizem ainda que o ex-atleta
que se tornou técnico fala a linguagem dos jogadores. Isso é pouco importante. Ele carrega também vícios. Quem não foi atleta
profissional pode ser ótimo treinador, desde que tenha virtudes e
conhecimentos, como Parreira.
Luxemburgo e Leão disseram
que, no futuro, serão gerentes de
futebol. Eles e os outros bons treinadores têm mais chances de se
darem bem nessa atividade. É a
continuação de suas carreiras.
Porém alguns ex-atletas têm mais
o perfil de diretor técnico do que
de treinador. Seria o caso do Rivellino, um dos maiores jogadores
da história do futebol mundial?
Fora Felipão, Parreira, Luxemburgo e Leão, os quatro melhores
técnicos brasileiros, há muitos
treinadores bons no Brasil, mas
comuns. Há pouca diferença entre eles. Por isso, é melhor o clube
investir num único técnico durante longo tempo do que ficar
trocando. Nessa avaliação, não
entram os ex-atletas que não estrearam nem os que tiveram pouca experiência, como Júnior.
Mas, entre escolher um treinador conhecido (sem muito brilho,
que já atingiu seu limite) e uma
promessa, obviamente, escolheria
o novo, como fez o Corinthians.
Perguntam-me muito se serei
técnico ou coordenador. Não sei
se daria certo. Já recebi algumas
propostas e recusei. Adoro escrever, brincar com as palavras. Lamentei apenas não ter aceitado o
convite da CBF para ser o coordenador da seleção antes da Copa
de 2002, após a saída do Leão.
Fiquei fascinado, eufórico com
a chance de trabalhar na seleção,
mas recusei, principalmente, porque me sentiria incomodado em
ocupar um cargo de confiança do
presidente da CBF, que eu criticara e que estava sendo investigado
pelas CPIs. Não aceitaria também
ser uma figura decorativa, como
foi o Antônio Lopes.
Lamentei, mas não me arrependi. Recusaria novamente. Para
manter a coerência e não vender
a alma, perdemos algumas vezes
boas chances na vida.
E-mail
tostao.folha@uol.com.br
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