São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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Comparação entre dados divulgados pela associação nacional das casas de jogo e números enviados por seus parceiros à Receita indica rombo de R$ 75 mi em 2002

Esporte não recebeu 80% do repasse anunciado pelos bingos

EDUARDO OHATA
JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
LUÍS FERRARI
DA REPORTAGEM LOCAL

Do montante que os bingos anunciaram ter repassado ao esporte em 2002, 80% não entraram oficialmente nos cofres das entidades beneficiadas pela parceria.
As associações esportivas que constam da lista de filiados à Abrabin (Associação Brasileira de Bingos) declararam à Receita Federal, segundo a Folha apurou, que receberam R$ 18 milhões das casas de jogo no ano retrasado.
O número nem chega perto daquele que a própria Abrabin divulgou ao lamentar o fechamento do negócio por meio de medida provisória do governo federal, na esteira do escândalo Waldomiro Diniz. "Repassamos R$ 93 milhões por ano", afirmou Olavo Sales da Silveira, presidente da entidade, em entrevista em 20 de fevereiro passado, confirmando o valor declarado em nota encaminhada à Folha em 2003.
A diferença, R$ 75 milhões, teria impacto tremendo no esporte nacional, que se prepara para os Jogos de Atenas. Significa, por exemplo, pouco mais de três vezes o que o Comitê Olímpico Brasileiro estima destinar às confederações esportivas neste ano do bolo arrecadado pela Lei Piva.
Pela legislação que vigorava até a MP do presidente Lula, os bingos deviam repassar 7% do faturamento a associações esportivas. No entanto, segundo relatório da Caixa Econômica Federal, como elas enfrentam dificuldades financeiras, muitas acabaram aceitando percentuais menores.
""[Os bingos] recorrem a contratos de gaveta, nos quais acordam repasses não previstos nas normas, em prejuízo das entidades", alerta trecho do relatório dos auditores da Caixa, datado de 11 de março de 2003 e enviado ao ministro Agnelo Queiroz (Esporte).
Um exemplo é dado por Newton Campos, presidente da Federação Paulista de Boxe. ""Por contrato, eu teria que receber R$ 10 mil fixos. Nunca me deram 7%. Até porque era impossível fiscalizar, saber o que seriam os 7%."
A própria Abrabin reforçou as suspeitas de irregularidade quando projetou para 2004 um novo repasse de R$ 93 milhões ao esporte -exatamente o valor que diz ter registrado dois anos antes (o montante de 2003 ainda não foi apurado, alega a entidade).
Tanto a Receita Federal como a Polícia Federal abriram investigações em torno das operações e da contabilidade dos bingos, cruzando as informações com os dados fornecidos pelas entidades esportivas associadas às casas de jogo.
Apesar de boa parte das associações ligadas ao bingo serem constituídas sem fins lucrativos, o artigo 14 do Código Tributário Nacional exige que tenham "escrita regular". Ou seja, que informem os valores recebidos à Receita.
No Rio de Janeiro, a PF descobriu que algumas delas davam recibos aos bingos com valores superiores aos efetivamente pagos, caso da Associação Brasileira de Desportos para Amputados.
No Rio Grande do Sul, Dércio Ramos, presidente da Federação Gaúcha de Canoagem, apresentou denúncia semelhante ao Ministério Público Estadual.
Disse ter sido sondado por um grande bingo de Porto Alegre interessado em fraudar o repasse. A entidade receberia um valor simbólico, e não os 7% a que teria direito. A diferença seria desviada e repartida num "caixa dois".
A PF investiga casos semelhantes em outros Estados. O dinheiro não chegaria ao esporte. Seria dividido entre donos e administradores de bingos e os cartolas -ou com associados "fantasmas".
Ainda segundo o relatório da Caixa, ""as entidades esportivas assinavam procurações transferindo plenos poderes aos empresários do bingo e ficavam completamente à margem do processo de gestão das casas, limitando-se a receber quantias de natureza declaratória, sem a mínima possibilidade de certificar sua consistência, ou então valores acordados previamente à revelia das disposições contidas na legislação".
Consultados pela Folha, oito presidentes de confederações brasileiras de modalidades olímpicas confirmaram o diagnóstico.
Foi o caso de Manoel de Oliveira, presidente da Confederação Brasileira de Handebol, e de Coaracy Nunes, da de Desportos Aquáticos, para os quais suas entidades não tinham condição de se inteirar da gestão das casas.
""O que eles dissessem é o que teríamos que acreditar. Não somos empresários de bingo, somos dirigentes esportivos", declarou Oliveira. ""É por isso que nunca quis me meter no negócio."
O COB preferiu não comentar o caso. O presidente Carlos Arthur Nuzman, por intermédio de sua assessoria de imprensa, limitou-se a dizer que não tinha conhecimento do volume de dinheiro que o bingo injetava no esporte e que se opõe à atividade no Brasil.
O ministro Agnelo Queiroz disse que não tomou conhecimento do relatório da Caixa. E elogiou o trabalho da Receita, da PF e do Ministério Público. ""Não compactuo com crime de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal."


Colaborou a Sucursal do Rio


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