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Bandeira
EUA ESCOLHEM PARA SER SEU PORTA-BANDEIRA NA CERIMÔNIA DE ABERTURA DA OLIMPÍADA CORREDOR SUDANÊS QUE INTEGRA MOVIMENTO DE ESPORTISTAS CONTRÁRIO AO REGIME CHINÊS
FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A PEQUIM
Foi cirúrgico. Foi pensado.
Foi a pancada mais forte de
um participante da Olimpíada nos organizadores chineses. E vinda do maior deles.
Principal potência da história olímpica e grande rival
dos anfitriões pela ponta no
quadro de medalhas, os EUA
escolheram ontem o porta-bandeira para a festa de abertura dos Jogos, amanhã. Será
Lopez Lomong, 23, apenas o
terceiro colocado na seletiva
americana dos 1.500 m.
Sudanês da tribo Boya e naturalizado americano em julho de 2007, Lomong é um
dos mais ativos membros do
Team Darfur, o mais organizado movimento de atletas
contrários ao regime chinês.
Criado em 2007 para denunciar o genocídio no Sudão, o "time" congrega mais
de 360 atletas e ex-atletas de
50 países. E questiona veementemente o papel da China, maior compradora de petróleo do país e complacente
com a atuação dos grupos que
hoje o controlam.
O Team Darfur é uma das
dores de cabeça do comitê organizador dos Jogos. E embora o Usoc não tenha detalhado o procedimento que levou
à escolha de Lomong, tudo
indica que tenha sido reação
a um ato do governo chinês.
Ontem à tarde, a delegação
dos EUA em Pequim recebeu
a notícia de que a embaixada
chinesa em Washington revogou o visto de entrada no
país do americano Joey
Cheek, patinador medalhista
de ouro nos Jogos de Inverno
de Turim, em 2006. Ele é co-fundador, atual presidente da
organização e autor da biografia de Lomong.
À noite, os capitães das
equipes em Pequim elegeram
o sudanês. O Usoc, o comitê
olímpico dos EUA, aprovou.
Lomong tinha seis anos
quando uma milícia invadiu
sua aldeia e o seqüestrou,
com outras crianças -o objetivo era treiná-los para serem
soldados. Ele e três garotos
mais velhos conseguiram fugir por um rombo na cerca. E
caminharam por três dias,
até cruzarem a fronteira com
o Quênia e serem levados para um campo de refugiados.
Foi lá, conta, que se apaixonou pelo esporte: em 2000,
andava 8 km para assistir, numa TV preto-e-branco, à
Olimpíada de Sydney. No ano
seguinte, aos 16, foi adotado
por uma família americana,
engrossando o grupo que ficou conhecido como "os garotos perdidos do Sudão".
Vivendo em Tully, no Estado de Nova York, conheceu o
que era uma pista de atletismo e começou a correr. No
ano passado, foi campeão
universitário nos 1.500 m. E
na seletiva dos EUA, em julho, levou a vaga final do país.
Em sua página na internet,
www.lopezlomong.org, não
faltam referências aos direitos humanos no seu país natal, o tipo de manifestação
que a China tenta evitar.
"Preocupa-me a situação
das crianças que estão morrendo em Darfur e no sul do
Sudão. (...) Não me preocupo
apenas com o que está acontecendo entre os governos
chinês e sudanês, mas com o
que ocorre com o povo."
Cena que agora soa de profunda ironia, enquanto a notícia da revogação do visto de
Joey Cheek ganhava força, a
cúpula do Usoc concedia entrevista no Parque Olímpico
para elogiar os anfitriões e refutar qualquer possibilidade
de protesto político nos Jogos. "Estamos aqui como esportistas", repetiu Peter Ueberroth, presidente do Usoc.
Pouco depois, a situação
sofreria uma brusca reviravolta. Com conseqüências
ainda a serem conhecidas.
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