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TIRO
Atiradores festejam as vantagens do ar ruim
Sem céu azul, competidores distinguem melhor os discos
DO ENVIADO A PEQUIM
A poluição encobre Pequim
com uma névoa branca. Nos
dias que antecedem o início dos
Jogos, o céu azul é raro. Só depois de chuvas constantes os
resíduos tóxicos são dissipados.
É assustador para os atletas que
atuam em competições de resistência ao ar livre.
Maratonistas desistem de
correr, ciclistas cogitam utilizar máscaras para filtrar o ar
tóxico, triatletas se preocupam
com o fôlego, remadores partem para o sacrifício.
Nem todos, contudo, condenam as más condições ambientais. Para o australiano Mark
Russell, do tiro ao prato fossa
dupla, quanto mais poluído estiver o céu, melhor. Detentor
de um ouro (Atlanta-96) e uma
prata (Sydney-00) olímpicas na
prova, Russell diz que encontrou poucos lugares no mundo
com condições tão favoráveis
para atirar como em Pequim.
"É o melhor que pode acontecer para um sujeito velho como eu", brincou o australiano,
44, em entrevista coletiva.
Em sua prova, o atirador tem
como desafio acertar dois pratos lançados em ângulos e alturas diferentes. "Consigo distinguir muito melhor aqueles pequenos discos laranjas no céu
graças a esse perfeito contraste
com o branco", explica.
Para Volney Vieira de Mello,
chefe de equipe olímpica de tiro esportivo do Brasil, essa prova é realmente a mais beneficiada pela má qualidade do ar.
"Em outras competições, como a de pistola de ar, da qual
iremos participar, isso é indiferente", constata Mello, referindo-se a Júlio Almeida e Stênio
Yamamoto, que competem em
salas climatizadas, com ar-condicionado. "O ar poluído só prejudicaria caso Pequim estivesse
na altitude", acrescenta.
A desistência de Haile Gebrselassie, recordista mundial da
maratona e asmático, de correr
os 42,195 km em Pequim detonou uma crise para os organizadores. Preocupados, decidiram
tomar medidas de emergência.
O rodízio de carros se intensificou, fábricas fecharam as
portas ou se deslocaram para
locais distantes, a construção
civil acabou paralisada, usinas
de carvão foram substituídas.
Se a eficácia das iniciativas é
limitada, há quem reclame até
das pequenas melhorias.
"A vista está mais bonita do
que a de alguns meses atrás,
quando estive aqui. Mas, para
ser honesto, essa mistura de
neblina com poluição é o que
realmente nos ajuda", admite
Russell, atirador há 30 anos.
Os sinais preocupantes esboçados por Russell são festejados por seu comitê olímpico.
"Temos examinado o problema e verificamos que há melhora", diz Peter Montgomery, vice do comitê australiano.
"Não tivemos nenhum atleta
que tenha expressado o desejo
de retornar para casa. Não é um
problema que preocupe nossa
delegação", afirma o dirigente.
Na contramão do discurso
dos cartolas de seu país, Russell
torce para que os chineses voltem atrás em suas resoluções
para diminuir o nível de poluentes. "Para mim, quanto
mais carros eles puderem colocar nas ruas no dia em que vou
competir, mais feliz eu ficarei",
afirma.
(ADALBERTO LEISTER FILHO)
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