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OLIMPÍADA
A lutadora Patrícia Miranda, cujos pais fugiram do Brasil no regime militar, busca vaga e consagração em Atenas
Exilados criam filha de ouro para os EUA
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ela fala português, adora o Brasil e conhece como poucos as dificuldades enfrentadas pela esquerda durante o regime militar. É
também um dos maiores nomes
da luta-livre mundial.
Mas, se Patrícia Miranda confirmar seu favoritismo e subir ao topo do pódio nos Jogos de Atenas,
ouvirá o hino dos EUA. Filha de
exilados, a atleta defende a bandeira de um dos países que acolheram seus pais em um momento da história no qual, para muitos, era perigoso viver no Brasil.
Em 1969, os militantes da Ação
Popular, José Adura Miranda e
Maria Lia Iida deixaram o país.
Com o AI-5 em vigor, os militares
acirravam a repressão e acuavam
os estudantes. Para o casal, a saída
era a luta armada ou o exílio.
No caminho até o Canadá, passaram por Uruguai, Chile e esbarraram em José Serra (presidente
nacional do PSDB) e José Dirceu
(ministro da Casa Civil).
"Com a anistia [em 1979], pensamos em voltar. Mas já tínhamos
dois filhos, estávamos há muito
tempo longe de casa. Seríamos estrangeiros em nosso próprio
país", relembra Miranda.
Naquele ano, a família foi para
os EUA em busca de calor. Na pequena Manteca, na Califórnia,
nasceu a terceira filha dos quatro
que o casal teria, Patrícia.
Até os 12 anos, a menina se dividia entre a escola, o basquete e o
futebol. Foi quando decidiu lutar.
Na época, era a única entre as
colegas interessadas pelo esporte.
O jeito foi treinar com meninos.
Essa opção já causava estranhamento. Mas Patrícia passou a chamar mesmo a atenção quando começou a ganhar deles.
"O problema é que eles crescem.
Aos 18 anos, são bem mais fortes
que uma mulher", conta a lutadora de 24 anos, 1,52 m e 48 kg.
O jejum durou até 2002. Nem a
torcida acreditou quando viu Patrícia vencer já na universidade.
"Achavam que eu ia me machucar. Essa foi a luta mais importante de todas para mim."
Para os norte-americanos, mais
expressivas foram as medalhas
obtidas no ano passado: ouro no
Pan de Santo Domingo e na Copa
do Mundo, e prata no Mundial.
O pai revolucionário é hoje
apontado como o maior entrave à
carreira de Patrícia. A mãe não a
viu lutar, faleceu em 1989.
Na imprensa não faltam relatos
sobre quando ele invadia as competições para apagar o nome da filha da tabela na lousa, ou das reuniões com os diretores da escola
para pedir que não a deixassem
lutar. Tudo mentira, assegura ele.
"Eu fui assisti-la pela primeira
vez há dois anos. Passo mal de ver.
Os americanos precisam criar essas histórias. Acho até divertido."
O discurso de hoje é bem mais
ameno do que o de 10 anos atrás.
Quando Patrícia começou a competir, o pai torceu o nariz. Temia
que a filha se machucasse.
"Também não gostava de imaginá-la lutando com homens.
Confesso, bateu um machismo."
Apesar do receio, Miranda colocou um único senão: a filha teria
de ter sempre notas "A". Um conceito a menos a tiraria da arena.
O desafio fez Patrícia se dedicar
aos livros como hoje o faz nas oito
horas diárias de treinos.
Ela é bacharel em economia e
mestre em política internacional
pela Universidade de Stanford.
Após a Olimpíada, começa a estudar Direito em Yale. Sua vaga ficará guardada até setembro, facilidade raramente concendida.
O motivo não são só as notas
"A". Patrícia precisa treinar.
Ela está no Centro Olímpico de
Colorado Springs, cidade onde
mora. Entre 21 e 23 de maio, terá o
primeiro teste: a seletiva dos EUA.
Com a vaga na mão, volta a treinar para tentar deixar seu nome
na história. Patrícia pode fazer a
primeira final da luta-livre nos Jogos e ser a primeira mulher a conquistar o ouro olímpico.
Atenas verá a estréia da modalidade, antes restrita aos homens.
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