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FUTEBOL
Futebol de crack
FLAVIO PRADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ir a todo estádio de futebol
no Brasil é mesmo uma grande
aventura.
Além dos maus tratos, falta de
respeito, sujeira e desorganização, você pode ser surpreendido
por um bando uniformizado e tomar uma violenta surra. Basta
torcer para o time oposto ao da
gangue com a qual você cruzou.
Os uniformizados ganharam
muita força nos últimos tempos.
Mandam e desmandam em quase todos os clubes, têm amplo espaço na mídia e estão acima do
bem e do mal com respaldo político e salas abertas para reuniões
até mesmo nos batalhões de choque. Afastados dos estádios há alguns anos, pelo menos em tese,
conseguiram liminares, mudaram nomes e seguiram em atividade tão grande que hoje elegem
vereadores, deputados e outros
menos cotados, que garantem
áreas de influências ainda maiores. E ninguém controla nada.
Com a morte daquele garoto de
16 anos no final de Corinthians x
Palmeiras, já são 25 pessoas no
total. E apenas dois presos. Como
as mortes são praticadas por bandos, não há 23 assassinos soltos.
Há pelo menos cem. Mas cem pessoas bem respaldadas.
Durante a semana fez-se muita
espuma. Foi um tal de dar entrevistas, requisitar fitas, fazer promessas, ouvir suspeitos, como se
algo fosse ser apurado. Não creio,
baseado no que se viu até hoje.
Passa o tempo, o assunto fica esquecido, e as coisas seguem iguais
até que morra mais alguém daqui a alguns meses. Aí começa tudo de novo. Essa chanchada parece que não terá fim. As pessoas estão sempre fazendo concessões.
Até o promotor Fernando Capez, que lá atrás foi o único a tentar cortar o mal pela raiz, deu entrevistas no começo do ano, buscando um jeito de trazer as uniformizadas de volta aos estádios,
como se elas tivessem saído.
E o poder desse pessoal só aumenta. Nenhum clube, até hoje,
cobrou direitos pela exploração
do nome. São vendidos bonés,
chaveiros, camisas etc. em nome
de uma determinada agremiação, que nada recebe em troca.
Ao contrário, muita vezes fica
refém dos tais torcedores. A viagem do Corinthians terça-feira
para Fortaleza, após perder de 4 a
0 para o Palmeiras, foi patética.
A Infraero proibiu a divulgação
do horário de embarque dos profissionais que iriam trabalhar,
com medo de pessoas que, não
tendo o que fazer, poderiam agredi-los de novo. Mesmo com a classificação o time não voltou a São
Paulo e seguiu para BH, onde joga hoje com o Atlético-MG.
Se perderem vão voltar outra
vez na clandestinidade, como se
fossem marginais, e não jogadores só talvez incapazes de vestirem a camisa de um grande time.
O futebol ficou refém das uniformizadas primeiro por acomodação, depois porque alguns dirigentes as usavam para seus próprios interesses. E por último por
medo, já que elas têm salvo-conduto dentro dos estádios e nos
centros de treinamento.
Não vai demorar o dia em que o
controle de entrada nos campos
de futebol ficará por conta deles.
Nesse caso talvez eles tragam a
solução de um problema que cresce nos estádios de forma muito
rápida, sem que ninguém que
manda se incomode: a comercialização e consumo de drogas.
Se a violência vem das uniformizadas, há também momentos
bonitos que elas nos trazem, muitas vezes tolhidos por bobagens.
Há algum tempo proibiram a
fumaça colorida, alegando-se que
ela era tóxica. Talvez fosse mesmo. Mas a fumaça colorida das
torcidas nem de longe se compara
com o que se sente agora.
Hoje, ironicamente, o cheiro,
em quase todos os jogos, é de maconha. E quase sempre vindo das
numeradas. Venda e consumo viraram rotina especialmente em
grandes jogos, sem qualquer tipo
de questionamento. Com campo
livre para agir, os traficantes agora estão levando também crack.
Não são poucas as pessoas que
me procuram pedindo providência. Se elas enxergam e nós sentimos o cheiro forte durante todo o
tempo, por que razão não há uma
ação repressiva?
Parece que os estádios de futebol viraram mesmo terra de ninguém. Além da violência, não só
tolerada mas praticamente institucionalizada, temos também as
drogas. Fico imaginando o dia
em que alguém menos avisado
chegará para ver um jogo e lhe
oferecerão algo estranho.
Num primeiro momento, ele
não vai compreender porque querem lhe passar um craque. Mas
logo verá que se trata de crack.
Flavio Prado, 50, é apresentador do
"Mesa Redonda" da TV Gazeta e comentarista da rádio Jovem Pan
Tostão está em férias
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