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Made in China
FESTA ESPETACULAR, LUZES, FOGOS, POLÍTICA E NACIONALISMO ABREM MAIOR OLIMPÍADA DA HISTÓRIA, OFUSCA PROTESTOS PELO MUNDO E SUGERE UM PAÍS DE ASTRONAUTA PARA O LUGAR DO PAÍS DE MAO TSE-TUNG
FÁBIO SEIXAS
MARIANA LAJOLO
ENVIADOS ESPECIAIS A PEQUIM
RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM
A abertura do evento mais
importante já organizado por
um gigante como a China tinha
de ser grandiosa. E foi. Às oito
da noite do oitavo dia do oitavo
mês de 2008, Pequim abriu a
29ª Olimpíada moderna.
Festa controversa, que, no
lugar de escapar da temática
política, mergulhou nela. O Ninho de Pássaro, estádio majestoso encravado no Parque
Olímpico da capital chinesa,
antes cercado de dúvidas, receios e ameaças, troca de farpas
entre chefes de Estado e protestos, virou outro lugar à medida que os 91 mil espectadores
ocupavam seus lugares.
Transformou-se no palco da
mais espetacular abertura de
uma Olimpíada, que começou
com uma ode às invenções da
China antiga. Do papel à pipa,
do relógio de sol ao alfabeto
chinês, à pólvora -houve espaço até para astronauta, um dos
últimos orgulhos do país.
Uma aula de história editada
pela rigidez do governo de Pequim, que deixou de lado a decadência dos últimos cinco séculos e, especialmente, os 150
anos de turbulência entre as invasões do século 19 e a abertura
econômica de 1978.
Em quase quatro horas de
evento, não houve menção à
Revolução Comunista nem a
Mao Tse-tung. Já os atuais líderes do Partido Comunista mereceram generosos closes nos
telões do estádio e na TV -o
presidente, Hu Jintao, e o premiê, Wen Jiabao, várias vezes.
O diretor do espetáculo, o cineasta Zhang Yimou, usou luzes e telões de altíssima definição para ilustrar os selecionados momentos da civilização
chinesa. Fogos de artifício, outra invenção local, ampliaram a
festa, da praça da Paz Celestial
à Cidade Proibida.
Ao contrário de cerimônias
passadas, mais globais, a festa
foi doméstica. Apenas uma hora depois de iniciado o espetáculo, surgiu o primeiro estrangeiro convidado, a cantora britânica Sarah Brightman.
O desfile das 204 delegações
de atletas também fez lembrar
que a festa era política. Aliados
da China no cenário internacional, Paquistão, Cuba e Coréia do Norte foram os mais
aplaudidos -depois, claro, da
anfitriã. As passagens de EUA,
Japão e França mereceram
murmúrios e aplausos polidos.
Na tribuna de honra, 104 representantes de países participantes e chefes de Estado. Entre eles, o presidente Lula, o
francês Nicolas Sarkozy e
George W. Bush, primeiro
mandatário americano em uma
abertura dos Jogos no exterior.
No momento em que a ponta
da bandeira chinesa surgiu no
túnel de acesso ao estádio, carregada por Yao Ming, o Ninho
tremeu. O astro do basquete
contornou o campo acompanhado de Lin Hao, 9, sobrevivente do terremoto que matou
70 mil pessoas em Sichuan.
Os discursos, embora breves,
também tiveram pitadas políticas. Presidente do COI (Comitê
Olímpico Internacional), o belga Jacques Rogge disse que os
Jogos "são o encontro de 204
nações, independentemente de
origens étnicas, sexo, religião
ou sistema político".
Comandante do comitê organizador de Pequim, Liu Qi falou
em "aprofundamento do entendimento mútuo". Isso diante de jovens vestidos com trajes
das 56 minorias étnicas chinesas, pintando um retrato de
harmonia que os protestos de
tibetanos e muçulmanos uigures insistem em desmentir.
Coube a um herói do esporte
chinês, Li Ning, ginasta que ganhou três medalhas de ouro na
Olimpíada de 1984 (a primeira
do país desde 1952), a honra de
acender a pira, estrutura imensa fixada no teto do estádio.
Chegou lá suspenso por cabos. "Caminhou" pela borda da
cobertura, onde projeções
mostravam a tocha pelo mundo
-uma nova edição da história,
sem os protestos ocorridos em
Londres, Paris e San Francisco.
História que, a partir de hoje,
a China tenta escrever também
no esporte, onde não há edição.
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