São Paulo, sábado, 09 de agosto de 2008

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Made in China

FESTA ESPETACULAR, LUZES, FOGOS, POLÍTICA E NACIONALISMO ABREM MAIOR OLIMPÍADA DA HISTÓRIA, OFUSCA PROTESTOS PELO MUNDO E SUGERE UM PAÍS DE ASTRONAUTA PARA O LUGAR DO PAÍS DE MAO TSE-TUNG

FÁBIO SEIXAS
MARIANA LAJOLO

ENVIADOS ESPECIAIS A PEQUIM

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

A abertura do evento mais importante já organizado por um gigante como a China tinha de ser grandiosa. E foi. Às oito da noite do oitavo dia do oitavo mês de 2008, Pequim abriu a 29ª Olimpíada moderna.
Festa controversa, que, no lugar de escapar da temática política, mergulhou nela. O Ninho de Pássaro, estádio majestoso encravado no Parque Olímpico da capital chinesa, antes cercado de dúvidas, receios e ameaças, troca de farpas entre chefes de Estado e protestos, virou outro lugar à medida que os 91 mil espectadores ocupavam seus lugares.
Transformou-se no palco da mais espetacular abertura de uma Olimpíada, que começou com uma ode às invenções da China antiga. Do papel à pipa, do relógio de sol ao alfabeto chinês, à pólvora -houve espaço até para astronauta, um dos últimos orgulhos do país.
Uma aula de história editada pela rigidez do governo de Pequim, que deixou de lado a decadência dos últimos cinco séculos e, especialmente, os 150 anos de turbulência entre as invasões do século 19 e a abertura econômica de 1978.
Em quase quatro horas de evento, não houve menção à Revolução Comunista nem a Mao Tse-tung. Já os atuais líderes do Partido Comunista mereceram generosos closes nos telões do estádio e na TV -o presidente, Hu Jintao, e o premiê, Wen Jiabao, várias vezes.
O diretor do espetáculo, o cineasta Zhang Yimou, usou luzes e telões de altíssima definição para ilustrar os selecionados momentos da civilização chinesa. Fogos de artifício, outra invenção local, ampliaram a festa, da praça da Paz Celestial à Cidade Proibida.
Ao contrário de cerimônias passadas, mais globais, a festa foi doméstica. Apenas uma hora depois de iniciado o espetáculo, surgiu o primeiro estrangeiro convidado, a cantora britânica Sarah Brightman.
O desfile das 204 delegações de atletas também fez lembrar que a festa era política. Aliados da China no cenário internacional, Paquistão, Cuba e Coréia do Norte foram os mais aplaudidos -depois, claro, da anfitriã. As passagens de EUA, Japão e França mereceram murmúrios e aplausos polidos.
Na tribuna de honra, 104 representantes de países participantes e chefes de Estado. Entre eles, o presidente Lula, o francês Nicolas Sarkozy e George W. Bush, primeiro mandatário americano em uma abertura dos Jogos no exterior.
No momento em que a ponta da bandeira chinesa surgiu no túnel de acesso ao estádio, carregada por Yao Ming, o Ninho tremeu. O astro do basquete contornou o campo acompanhado de Lin Hao, 9, sobrevivente do terremoto que matou 70 mil pessoas em Sichuan.
Os discursos, embora breves, também tiveram pitadas políticas. Presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional), o belga Jacques Rogge disse que os Jogos "são o encontro de 204 nações, independentemente de origens étnicas, sexo, religião ou sistema político".
Comandante do comitê organizador de Pequim, Liu Qi falou em "aprofundamento do entendimento mútuo". Isso diante de jovens vestidos com trajes das 56 minorias étnicas chinesas, pintando um retrato de harmonia que os protestos de tibetanos e muçulmanos uigures insistem em desmentir.
Coube a um herói do esporte chinês, Li Ning, ginasta que ganhou três medalhas de ouro na Olimpíada de 1984 (a primeira do país desde 1952), a honra de acender a pira, estrutura imensa fixada no teto do estádio.
Chegou lá suspenso por cabos. "Caminhou" pela borda da cobertura, onde projeções mostravam a tocha pelo mundo -uma nova edição da história, sem os protestos ocorridos em Londres, Paris e San Francisco.
História que, a partir de hoje, a China tenta escrever também no esporte, onde não há edição.


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