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FUTEBOL
Dom Quixote e Sancho Pança
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Os leitores que detestam
detalhes táticos não deveriam ler esta coluna. Como nada
de novo acontece na maneira de
jogar das equipes, terei de repetir
antigos conceitos. Não me encanta escrever sobre isso, mas algumas poucas pessoas gostam, e sou
metido a entender do assunto.
Numa equipe que joga com
quatro defensores, há várias maneiras de se organizar o meio-campo e o ataque. A mais tradicional e comum, utilizada pela
maioria das equipes da Europa, é
a com dois volantes, um armador
de cada lado e dois atacantes.
Nesse desenho, o armador de
cada lado faz dupla com o lateral,
na defesa e no ataque. Algumas
equipes, em vez de armadores, jogam com pontas velozes e hábeis,
que atacam e ajudam na marcação. Como os dois volantes avançam pouco, não há o meia de ligação com os dois atacantes.
Para não ter esse problema, alguns times, como o Real Madrid,
recuam um dos atacantes. O Real
joga com dois volantes, um armador de cada lado (Figo e Zidane) e
o Raúl faz a ligação pelo meio. Só
Ronaldo fica fixo na frente.
Anos atrás, o esquema mais utilizado no Brasil era o com dois
volantes e dois meias ofensivos livres, próximos dos dois volantes.
Essa postura está sendo progressivamente abandonada. Hoje, o esquema mais utilizado é o com três
no meio-campo e um meia de ligação com os dois da frente. Assim joga o Cruzeiro. Na seleção,
são três volantes, dois meias ofensivos e um atacante fixo.
Dos três volantes do Cruzeiro e
da seleção, só o do meio fica mais
atrás. Os outros dois (não sei se
deveriam ser chamados de volantes) marcam e apóiam o ataque.
Mas as duas equipes são tortas
porque os volantes pela direita
(Augusto Recife e Emerson) são
muito mais marcadores do que
apoiadores e os da esquerda
(Wendel e Zé Roberto) são mais
apoiadores do que marcadores.
A idéia inicial do Parreira era
jogar com um volante mais avançado pela direita (Kleberson). Juninho Pernambucano e Renato
são ótimas opções. Porém o técnico deve ter optado por Emerson
para proteger os avanços dos laterais e pelo fato de o time ter dois
zagueiros. O mesmo acontece no
Cruzeiro de Luxemburgo.
O Goiás também joga com três
volantes e três na frente. Mas, no
lugar de um meia ofensivo e três
atacantes, o time atua com dois
pontas e um centroavante. Na
verdade, os três não têm posição
fixa, principalmente Araújo. Ele e
Grafite ajudam na marcação. É o
mesmo esquema do Corinthians,
quando o time paulista era dirigido pelo técnico Parreira.
Uma característica do futebol
brasileiro é o avanço dos laterais,
às vezes ao mesmo tempo. Nesse
caso, um dos volantes joga bastante recuado, quase como um
terceiro zagueiro. Na Europa, as
equipes nunca atuam com dois
laterais apoiadores e dois zagueiros, já que não existe o volante-zagueiro. Por isso, o técnico do
Milan raramente escala Cafu e
Serginho numa mesma partida.
Os volantes da Europa atuam
em linha e marcam na intermediária e no meio-campo. Não se
posicionam entre os zagueiros,
como é comum no Brasil. Não há
o primeiro volante mais recuado
e o segundo mais avançado.
Os times da Europa têm sempre
três autênticos zagueiros ou dois e
mais um lateral-zagueiro, que raramente passa do meio campo. A
invenção dos técnicos brasileiros,
de alternar o avanço dos laterais,
é mais criativa e eficiente. Enquanto um ataca, o outro se posiciona mais atrás, para haver um
zagueiro na cobertura.
As transformações táticas no futebol avançam lentamente e dão
a impressão de que houve poucas
variações nos últimos 40 anos. A
única mudança brusca e revolucionária foi a da Holanda, em
1974. Onde estava a bola, havia
dez holandeses. Era a pelada organizada. Foi um delicioso sonho
que durou pouco tempo.
Talvez falte hoje no futebol um
técnico revolucionário, sonhador
e racional, mistura de Dom Quixote e Sancho Pança.
O desenho tático é apenas referência. Quando a bola rola, os jogadores não param de correr e
trocam de posições -para desespero dos técnicos.
"O melhor momento do futebol,
para um técnico, deve ser o minuto de silêncio. É quando os jogadores ficam parados, na sua posição designada no desenho da escalação. É no momento de silêncio que o jogador mais se parece
com o botão, que o técnico usa na
sua instrução. Por um breve instante materializa-se no campo a
sua onipotência diagramada."
(Luis Fernando Veríssimo)
E-mail: tostao.folha@uol.com.br
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