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Excluídos do esporte no Brasil, anões aparecem, mostram qualidade e tentam viver como atletas
Pequeno passo, grande salto
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
O interfone estava totalmente
fora do alcance. Mesmo assim,
Rafael Ribeiro esticava o braço, ficava na ponta dos pés e dava pequenos pulos. Só então desistia.
Após o esforço, pedia ajuda a algum transeunte para tocar o aparelho no prédio de um colega.
Um dia cansou da dependência.
Trepou no portão de ferro, subiu
progressivamente e surpreendeu
o porteiro ao chegar sozinho à
campainha. Começava, naquele
ato, sua paixão pelo esporte.
De grades, passou a escalar
montanhas. Fez aulas de natação,
caratê, ciclismo e até vôo livre.
Agora, 15 anos depois do episódio
que deu novas perspectivas para
sua vida, virou uma exceção.
"As pessoas olham para mim e
imaginam todo o tipo de coisas,
menos que sou um aficionado por
esporte. Será que é realmente tão
difícil encontrar um anão-atleta
como eu por aí?", questiona Ribeiro, 25 anos e 1,35 m.
A resposta é sim, ao menos no
Brasil. O país não possui nenhuma associação que congregue esportistas de baixa estatura, organize campeonatos e dê um respaldo oficial aos praticantes.
Como Rafael Ribeiro em Santa
Maria (RS), os anões estão sós.
A chance de mudar esse quadro
apareceu após os Jogos Olímpicos
e Paraolímpicos de Atenas. Nas
duas competições, atletas com
menos de 1,50 m chegaram ao lugar mais alto do pódio.
É o caso do turco Halil Mutlu,
1,48 m, tricampeão olímpico no
levantamento de peso. Esse sucesso impulsionou projetos como o
do professor Sergio José de Castro, da Universidade Estácio de
Sá. Ele escreveu o estatuto da federação carioca que vai arregimentar os anões locais. A entidade deve ser registrada em novembro. "Já organizamos alguns torneios de atletismo e natação, mas
precisamos de uma roupagem
oficial para pleitearmos investimentos", conta Castro.
O objetivo está traçado: enviar
uma delegação para os Jogos de
Anões, torneio disputado nos
mesmos moldes da Olimpíada.
A competição teve início em
1993, nos EUA. Reunia pouco
mais de cem atletas. No ano que
vem, Paris acolhe a quarta edição
e espera mais de 500 anões.
Fágner Marques diz que vai fazer de tudo para estar entre eles.
Ele treina natação ao menos três
vezes por semana. Só não vai mais
à piscina porque precisa conciliar
a rotina de atleta com a de caixa
em uma rede de supermercados.
"Sou fã do Ian Thorpe. Tento
nadar como ele", diz Marques, em
referência ao astro australiano
que levou dois ouros na Grécia.
Aos 22 anos, tem 1,37 m e diz
que enfrentar anões que já têm
experiência na modalidade será
fácil. Difícil mesmo é confrontar
entraves e preconceitos como os
que já encarou no Brasil.
Ele lembra uma história emblemática. Há alguns anos, trabalhava como caixa em uma loja da rede McDonald's. Quando um
cliente pedia sorvete ou refrigerante, Marques via os colegas interromperem as atividades que
executavam para auxiliá-lo.
"Uma hora eu disse que poderia
fazer sozinho. Deram risada, não
acreditaram. Fui lá, peguei as caixas em que eram colocados os
pães de hambúrguer, fiz uma escada e subi. Todo mundo ficou
surpreso. Dali em diante, passaram a me ver com mais respeito."
Como Marques, existem cerca
de 110 anões que praticam esportes no Brasil. É a estimativa que o
pesquisador Leonardo Mataruna
traçou para o recém-concluído
"Atlas do Esporte no Brasil".
Segundo ele, o futebol encabeça
a lista das modalidades preferidas
pelos esportistas de baixa estatura. "Temos gente, mas falta organização e investimento. Sem
apoio do governo ou de empresas, será complicado mandar um
bom time para os Jogos de 2005",
diz o educador Gustavo Gonzalez.
Sua opinião é endossada por
Adílton Belarmino da Silva.
Garçom e figurante em programas de televisão - o último trabalho foi feito para a Globo, na
novela "Da Cor do Pecado"-, ele
joga futebol sempre que pode.
Que tal largar tudo e treinar para os Jogos de 2005? Belarmino
diz que aceita, se ganhar algo com
isso. "Eu preciso me sustentar."
Como os anões não são considerados deficientes físicos, os Jogos mantêm as regras das competições tradicionais. No basquete,
por exemplo, as cestas ficam a
3,05 m do solo, como na NBA.
Nos campos, Belarmino, 1,35 m,
iria disparar chutes no mesmo gol
de 7,32 m que seu ídolo, Juninho
Pernambucano, tenta acertar nos
jogos do clube francês Lyon.
"Seguir os regulamentos coloca
o anão em contato com a sociedade. É uma forma de combater a
discriminação", explica Castro.
É exatamente o que Belarmino
procurou toda a sua vida. Desde a
infância, odiava ser chamado de
anão. Achava a palavra pejorativa. Hoje se misturou com a multidão, provou que é bom de bola e
conseguiu destaque no trabalho.
Ganhou respeito. E, com ele,
exigiu o apelido que sempre quis.
"Meus chegados só me chamam
por um nome: sou o Gigante."
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