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A história de Gustavo Borges, que encerra mês que vem a mais premiada trajetória de um brasileiro em Pan-Americanos
Culpa da sunga
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
Pirulito aprumou-se com cautela para a competição. Sabia que
havia treinado muito bem naquele ano de 1985 e poderia chegar ao
pódio. Saltou do bloco e começou
a nadar, mas, logo nos primeiros
metros, percebeu que o cordão de
sua sunga havia arrebentado.
"Ninguém vai me ver pelado",
pensou. Então, antes de completar a metade da prova, agarrou o
calção com uma mão e se arrastou, mambembe, até completar
os 50 m livre. Não conseguiu um
lugar entre os três melhores.
A cena que poderia traumatizar
um garoto de 12 anos virou o talismã da carreira de Gustavo Borges.
Antes de cada torneio que disputa, o atleta brasileiro mais premiado em Jogos Pan-Americanos
rememora o dia em que protagonizou o inusitado acontecimento
e encontra nele um incentivo para
guiar suas performances.
"Percebi naquela competição
que precisaria ultrapassar grandes dificuldades para me tornar
um bom atleta. Aprendi o valor
da superação e conservei isso na
memória", diz o nadador.
Memória que, além dos pitorescos casos do início de sua trajetória, começou recentemente a ressuscitar todas as minúcias dos 20
anos de vida nas piscinas. O recorde de 15 medalhas obtidas em
três Pan-Americanos, os quatro
pódios olímpicos, os adversários
mais aguerridos. Tudo está, nesse
momento, voltando à tona.
E o saudosismo se justifica: no
mês que vem, em Santo Domingo
(República Dominicana), Borges,
30, apelidado de Pirulito na infância por causa do corpo esguio e da
cabeça avantajada, vai nadar seu
derradeiro Pan-Americano.
"É um momento importante.
Será meu último Pan. Tenho certeza de que posso conseguir pelo
menos mais duas medalhas e aumentar meu recorde", afirma.
Borges alcançou a marca de 15
medalhas em Winnipeg (CAN),
há quatro anos, após amealhar
três ouros, uma prata e um bronze. Ultrapassou o mesa-tenista
Claudio Kano, morto em 1996,
que somou 12 insígnias em Pans.
Ainda não é, porém, uma despedida oficial das piscinas. Ele
quer se manter treinando até os
Jogos de Atenas-2004, para ser
um dos integrantes do revezamento 4x100 m livre. "Mas só vou
se o Brasil tiver condições de ficar
entre os três melhores", disse.
Gustavo França Borges nasceu
em Ribeirão Preto, interior de São
Paulo, em dezembro de 1972.
Um dia após o nascimento, foi
com os pais, Jovino e Diva, para
Ituverava (413 km ao norte da capital). Lá, começou a nadar, por
volta dos dez anos. "Ele era afinadíssimo. Apesar de ser bem grande, conseguia coordenar todos os
movimentos com perfeição", recorda Ivana Guaitoli, professora
que ensinou Borges a nadar.
Nessa época, Pirulito acompanhava deslumbrado os passos de
outro nadador do interior. Ricardo Prado, um atarracado rapaz de
Andradina que chegou ao posto
de vice-campeão olímpico e recordista mundial dos 400 m medley na década de de 80, era referência para o jovem Borges. "Eu
tinha óculos, touca, tudo dele."
Os resultados das primeiras
competições foram animadores, e
Borges preferiu abandonar Ituverava em busca de melhores condições de treinamento. Nadou em
Franca em 1986 e seguiu para São
Carlos em 1988. Somente em 1989
chegou a São Paulo.
"Sair de casa aos 15 anos foi
muito difícil. Eu precisava arrumar tempo para estudar e nadar e
não contava com os pais do meu
lado." Nas andanças pelo interior,
sempre longe da família, ele também deu suas escorregadas.
"Um dia marcamos a saída para
uma viagem a São Paulo às 5h. Na
hora marcada, entrei no ônibus e
mandei tocar. Quando chegamos
a São Paulo, vi que o Borges não
tinha nos acompanhado. Ninguém mandou perder a hora",
conta Maurício Frajácomo, o Piscinão, seu técnico em São Carlos.
Rumo ao topo
Incidentes à parte, o atleta chegou ao Pinheiros em 1989 como
uma grande promessa. Após um
curto período na capital, decidiu
seguir os passos de outros nadadores renomados, como o próprio Prado, e foi para os EUA.
"No exterior havia estrutura para que eu pudesse conciliar natação de alta qualidade e estudo."
Borges cursou o High Scholl
-equivalente no Brasil ao ensino
médio- na Bolles, em Jacksonville (Flórida). Lá, treinado por
Greg Troy, o rapagão de 2,04 m e
95 kg ganhou o status de estrela.
No Pan de Havana-1991, subiu
cinco vezes no pódio e entrou pela
primeira vez no ranking dos "top
5" do mundo nos 100 m livre.
Um ano depois, em Barcelona,
disputou sua primeira Olimpíada.
"Fiquei muito nervoso. Um dia
antes dos 200 m livre, minha primeira prova, fui oito vezes ao banheiro e só dormi às 3h da manhã", lembra. A tensão passou e,
no evento seguinte, os 100 m livre,
terminou com a prata.
Borges estudou economia na
Universidade de Michigan e, paralelamente aos estudos, continuou a preencher seu quadro de
medalhas. Vieram mais cinco no
Pan de Mar del Plata em 1995,
duas nos Jogos de Atlanta-1996 e
outras cinco em Winnipeg.
Nos últimos anos, passou a dividir o tempo da natação com os
afazeres do lar. Em 1998, Borges
casou-se com a espanhola Barbara Franco. Tiveram dois filhos:
Gustavo, 4, e Gabriela, 1.
Se dá como certa sua aposentadoria após Atenas, Borges já pensa em outra forma de perpetuar
seu nome na natação. "Quando
estamos na piscina, peço para o
Gustavinho nadar igual ao papai.
Ele já faz todos os movimentos.
Acho que leva jeito para a coisa."
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