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18 ANOS DE JEJUM
Quando o Santos teve sua última glória, não havia CDs ou internet
O distante 3 de dezembro de 84
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
LÚCIO RIBEIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
Onde você estava no dia 3 de
dezembro de 1984?
A pergunta pode parecer coisa
de detetive, mas não é. Trata-se
de uma questão histórica. Ou
futebolística. Ou histórico-futebolística. É que 3 de dezembro
de 1984 é a data do último título
de peso do Santos.
Naquele dia, o time venceu o
Corinthians por 1 a 0, gol de Serginho Chulapa, e acabou com
um jejum de seis anos. Um jejum três vezes menor do que o
que pode acabar hoje.
Naqueles tempos ainda não
havia CD, computador pessoal e
internet. Lula nunca havia se
candidatado a presidente (aliás,
nem havia eleição), as obras para o aeroporto de Cumbica estavam suspensas por falta de recursos, fazia sucesso a novela
"Vereda Tropical", o muro de
Berlim estava de pé, e a União
Soviética ainda era unida.
A derradeira glória santista já
vai tão longe que o senador
Eduardo Suplicy (PT-SP), santista fanático, lembra-se do time
campeão, mas, do jogo decisivo
em si, só do gol de Serginho. "O
Santos tinha o grande Rodolfo
Rodriguez, o Paulo Isidoro, e os
dois Toninhos [Carlos e Oliveira]. Mas não lembro como comemorei aquele título", falou o senador, que viria a concorrer,
no ano seguinte, à Prefeitura de
São Paulo, rivalizando com Jânio Quadros e FHC. O primeiro
já morreu, e o segundo foi presidente duas vezes.
Luiz Schwarcz, hoje dono da
editora Companhia das Letras,
em 1984 trabalhava na Brasiliense. Ele estava no estádio e
comemorou nas ruas. Talvez tenha passado por Cao Hamburguer, diretor do premiado programa "Castelo Rá-Tim-Bum".
Cao também assistiu ao título
de 84 no Morumbi, mais precisamente atrás da meta onde
Serginho Chulapa marcou o gol
da vitória. Naqueles distantes
dias, Cao estava em dúvida entre a música e o cinema. Acabou
desistindo da primeira e ficando com o segundo. Sorte do cinema. E da música.
Outro que começava sua carreira de cineasta era André
Klotzel, que filmava seu primeiro longa-metragem, "Marvada
Carne". Ele lembra que, vendo
o estádio cheio, pensava que seu
filme poderia ser visto por uma
multidão daquele tamanho. Na
verdade, o filme teve mais de 1
milhão de espectadores e foi
vendido para 15 países.
O poeta Mário Chamie viu o
jogo pela TV e, logo depois da
partida, foi comemorar num
campo de futebol que havia nos
fundos de sua casa, na rua Pintassilgo. Naquele tempo, o bairro de Moema ainda não tinha
tantos prédios.
Marcelo Tas ainda tinha algum cabelo e encarnava o personagem do repórter Ernesto
Varela dentro do programa
"Olho Mágico", uma espécie de
"Fantástico" mais intelectualizado, pobre e divertido que passava na TV Gazeta.
Seu câmera naquele dia foi
Fernando Meireles (que Tas
chamava de Valdeci), diretor do
filme "Cidade de Deus".
O ator José Rubens Chachá
ensaiava a peça "Ubu", que seria encenada pelo grupo Ornitorrinco e se tornaria um grande sucesso em São Paulo. O diretor era o corintiano Cacá Rosset (hoje comentarista esportivo
da Record), que tentou convencer Chachá a não ir ao jogo.
Mesmo assim, o santista pegou
um ônibus ("Estava numa dureza...") e foi ao Morumbi.
Paulo Miklos, vocalista dos
Titãs, viu o jogo em casa, pela
TV. O grupo fazia sua primeira
excursão nacional, impulsionado pelo sucesso da música "Sonífera Ilha" (em vinil).
Enfim, nesses 18 anos de jejum, o mundo mudou, e mudaram os santistas. E, como diz
aquele ditado indiano, "um homem não entra duas vezes no
mesmo rio". Nem vê duas vezes
o mesmo título.
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