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São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003

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FUTEBOL

Talento não sai de moda

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

O ser humano é um animal racional, de hábito, de moda e também desejoso de novidades. Precisamos da rotina, do imponderável e do mistério.
A moda e o modismo existem em todos os lugares. Já houve a moda dos românticos, dos realistas, dos economistas formados em Harvard, dos jovens executivos, do politicamente correto, dos manuais de auto-ajuda (não sai de moda), do "faz parte", "a nível de" e agora dos sexólogos (para todas as idades) e das aparências -o importante é a imagem, parecer e não ser.
No futebol, já teve a moda do futebol arte, do futebol de resultados, da defesa, do ataque, do contra-ataque, do líbero, do número um, do ponta, do volante brucutu, do zagueiro zagueiro e outras.
A moda atual no futebol é marcar, não deixar o adversário jogar. Outras qualidades, como driblar, criar, ousar, finalizar, ficaram em segundo plano.
A frase da moda é: "Para jogar, é preciso recuperar a bola". Nada mais óbvio.
Porém, as equipes não estão tomando a bola, e sim paralisando o jogo com faltas. Um número absurdo. Esse é um dos motivos de se fazer tantos gols de bolas paradas. É a moda, o estilo atual.
A melhor maneira de marcar não é chegar junto, desarmar, derrubar, e sim antecipar, chegar antes.
Outra forma é se posicionar corretamente e não deixar espaços para o adversário.
Uma outra palavra da moda, relacionada à marcação e às vezes erradamente associada ao defensivismo, é contra-atacar, principalmente depois que o Boca Juniors jogando dessa forma ganhou duas vezes do Santos.
Nem sempre contra-atacar é a mesma coisa que jogar na defesa. Se a marcação se iniciar mais na frente, a equipe estará perto do outro gol no instante em que tomar a bola e, portanto, será bastante ofensiva.
Outras palavras da moda utilizada pelos técnicos na lateral do campo são pressionar, encurtar e pegar. Os treinadores falam que gritam "pega, pega" no sentido de chegar junto, desarmar e encurtar os espaços. É verdade.
Mas o significado principal de pegar é agarrar, segurar. Quem agarra, pode derrubar e agredir. Na emoção de uma partida, misturam-se os significados na mente de um jogador tenso, cansado e pressionado.
O inconsciente não racionaliza, só associa palavras e imagens. Daí, numa fração de segundos, um jogador pode dar um carrinho, pegar as pernas do adversário, ser expulso e prejudicar a equipe.
Os jogadores são também pressionados pelos gritos de guerra de parte da torcida. Essa sempre acha que o seu time perde porque não teve raça e que as agressões verbais vão forçar os atletas a atuarem melhor e com mais garra. Muitos desses, para não serem chamados de pipoqueiros (palavra da moda), comportam-se como machões e agridem seus adversários.
A violência continua na moda. A agressividade da sociedade é transferida para os estádios. Em vez de ser um local de espetáculo lúdico, de entretenimento e de disputa esportiva, o estádio de futebol está se transformando em um ambiente hostil, numa praça de guerra.
Vivemos em um país violento, de muita miséria e injustiça. Isso estimula a inata agressividade do ser humano.
No esporte, a única coisa que não sai de moda é o talento. Independe de época, lugar e estilo. Falar disso também virou moda.

Derrota e vitória
Não entendo da maioria dos esportes, mas no Pan não saí de frente da televisão. Assisti até taekwondo e squash. Não entendi nada. Para gostar e torcer, não é preciso compreender.
O Brasil bateu recorde de medalhas porque evoluiu, outros países estavam muito desfalcados ou as duas coisas? Deixo a resposta para os entendidos.
Sei como é prazeroso e emocionante ganhar um título, uma medalha. Na vitória, há uma indescritível alegria e sentimentos de dever cumprido e de orgulho. Isso deve ser mais evidente nos esportes individuais.
Em compensação, a frustração, a culpa de não ter feito melhor e a tristeza da derrota são terríveis, principalmente, quando se esperava vencer, como aconteceu com o vôlei masculino.
"Perder é uma forma de aprender. E ganhar, uma forma de se esquecer o que se aprendeu" (Carlos Drummond de Andrade).


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