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FUTEBOL
A vida pela Copa
RODRIGO BUENO
COLUNISTA DA FOLHA
As eliminatórias matam.
Pela terceira vez em série, o
qualificatório para o Mundial faz
oficialmente vítimas fatais. No
início da última semana, surgiram notícias de que pelo menos
três torcedores teriam morrido na
luta para ver a partida entre Guiné e Marrocos. A Fifa tratou de
negar tais informações e ressaltou
que houve "só" vários feridos (por
causa de superlotação).
No mesmo dia em que negou as
mortes na Guiné, ela lamentou
quatro mortos no estádio Kegue,
domingo, no Togo x Mali. A bandeira de Togo na sede da Fifa está
a meio pau, e a entidade promete
investigar as "grandes violações
das medidas de segurança" na
partida. Nas eliminatórias africanas para a Copa de 2002, já havia
sido registrado trágico episódio.
Em Harare, 12 pessoas morreram em duelo entre Zimbábue e
África do Sul. No qualificatório
para o Mundial de 1998, foi a
Guatemala que chorou: mais de
80 pessoas morreram no estádio
Mateo Flores em jogo contra a
Costa Rica que deixou ainda 150
feridos.
Os problemas extra-campo batem triste recorde nas atuais eliminatórias. Botsuana x Quênia e
Panamá x Jamaica tiveram invasões de campo. Bósnia-Herzegóvina x Sérvia e Montenegro, Malaui x Tunísia, Sudão x Camarões
e Honduras x Canadá viram lançamentos de vários objetos no
gramado. Macedônia x Holanda
ouviu manifestações racistas.
Taiwan x Palestina teve de ser
postergado porque jogadores palestinos foram temporariamente
impedidos de viajar pelo governo
israelita. Jogos, como Libéria x Senegal, acabaram interrompidos
por distúrbios com torcedores.
A Fifa nem atentou para a
enorme confusão no confronto do
Brasil com a Venezuela em Maracaibo. Dezenas de pessoas com
ingressos na mão não conseguiram entrar e apedrejaram veículos e equipamentos de emissoras
de TV. O responsável pela organização atende pelo nome, no mínimo estranho, de Luis Muchacho
-esse culpou a Guarda Nacional
pela superlotação. Ou seja, a Fifa,
que oficialmente organiza Copa e
eliminatórias, não controla mais
o "monstro" que criou.
Já tem mais de um século que
pessoas se matam em partidas de
seleções de futebol (os culpados
aqui não são torcidas organizadas). A Fifa nem tinha nascido
quando 40 morreram em superlotação no Escócia x Inglaterra no
Ibrox Park, em Glasgow, no dia 5
de abril de 1902. Desde então, pelo
menos 2.000 pessoas foram vítimas fatais (mais de 300 morreram só no Peru x Argentina pelo
Pré-Olímpico em 1964). Mas são
as "vítimas da Copa" que aumentam quase na mesma proporção
que a disputa se expande. Isso
sem contar as "mortes naturais".
O Mateo Flores, estádio guatemalteco que tornou-se amaldiçoado em 1996 devido à avalanche humana que matou dezenas,
viu recentemente novo Guatemala x Costa Rica. Não houve superlotação como na outra vez, pelo
menos oficialmente, mas um torcedor teve parada cardíaca e faleceu minutos depois de o atacante
Pin Plata fazer um gol nos 2 a 1
nos visitantes. Dar a vida pela Copa deveria ter limite.
A vida pela Copa 1
Alguns países que ainda não foram ao Mundial começam a vislumbrar de verdade a disputa na Alemanha em 2006. Se na América do
Sul, a Venezuela segue forte na briga por uma vaga, a África destaca a
Costa do Marfim, favorita para barrar Camarões. Na Europa, a Ucrânia, que sempre ensaiou um salto com Shevchenko, pode enfim ascender, pois vai firme na liderança do Grupo 2.
A vida pela Copa 2
A Fifa agora vai destinar uma pequena parte dos bilhões que ganha
com a realização da Copa para uma fundação britânica dedicada ao
fomento do teatro. Os torcedores do mundo todo, que sustentam o
esporte e eventualmente morrem nos estádios, deverão mesmo pagar a conta. Os "inventores do futebol" vão se divertir ao menos.
E-mail rbueno@folhasp.com.br
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