|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FUTEBOL
Rever, reler e reviver
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Recentemente, assisti pela
quarta ou quinta vez ao filme "Casablanca". Conheço um
médico que já viu 26 vezes. Qual é
o mistério do filme? Talvez seja o
olhar da Ingrid Bergman, quase
tão enigmático quanto o da Monalisa.
Adoro rever, reler e reviver as
coisas e os lugares que me emocionaram e me deram prazer.
Com o tempo, perdi muito a ânsia
de buscar coisas novas. Deve ser
um sintoma de maturidade ou de
velhice precoce. Pena! A sabedoria está na juventude, e não na
maturidade e na experiência, como dizem.
Gosto de reler alguns escritores
e poetas. Quando aprecio um filme ou um livro, imediatamente
assisto e leio pela segunda vez.
Procuro os detalhes. Nesses dias, li
e reli o envolvente livro "Divã",
da escritora gaúcha Martha Medeiros. Vou assistir novamente ao
ótimo e triste filme "Carandiru".
Há anos que procuro nas locadoras de filmes o musical "Dom
Quixote de La Mancha". A música do filme é espetacular: "Sonho
impossível". Se não foi feita para
o filme, não haveria outra melhor. Vivo também de sonhos impossíveis. A realidade e o cotidiano são às vezes entediantes.
Neste embalo nostálgico, não
me canso de rever algumas jogadas e gols que se eternizaram na
minha memória. Isso não significa que são os mais bonitos.
Não me canso de rever o gol do
menino Pelé na Copa de 58, contra a Suécia. Pelé recebeu a bola
pelo alto, dominou no peito, deu
um chapéu no zagueiro e tocou de
leve no canto. Uai!
Não me canso de rever o instante em que Didi pegou a bola nas
redes após o primeiro gol feito pela Suécia em 58. O Príncipe Etíope, com a cabeça erguida, colocou
a bola debaixo do braço e caminhou até o centro do campo, seguido pelos jogadores. Imagino
que dizia: "Esses gringos não são
de nada. Vamos enfiar uns cinco
neles".
Não me canso de rever o Garrincha em 62, driblando os espanhóis desde o meio-campo, que se
afastavam, até o Mané chegar à
linha de fundo e colocar a bola
com açúcar e afeto na cabeça do
Amarildo, que fez o gol.
Não me canso de rever o passe
longo, milimetrado do Gerson para o Pelé dominar no peito, deixar
a bola cair e colocá-la no canto,
contra a Tchecoslováquia em 70.
Não me canso de rever o passe
que dei para o Clodoaldo empatar o jogo contra o Uruguai, em
70. Esperei uma fração de segundos para o Corro chegar no instante exato. Como se vê, não sou
nada modesto.
Não me canso de rever o gol do
Romário contra a Holanda na
Copa de 94. Bebeto passou para o
Baixinho, que chegou um pouco
atrasado. Se esticasse a perna e
chutasse desequilibrado, erraria o
gol. Romário deu um salto, ficou
com as duas pernas no ar e, com a
direita, colocou a bola no canto.
Só os gênios fariam isso. Eu e o
mestre Armando Nogueira ficamos um longo tempo vendo o lance por todos os ângulos, para entender o que o Romário fizera.
Não me canso de rever o gol de
falta do Ronaldinho, encobrindo
o goleiro inglês. No instante, sem
os recursos da TV, achei que ele
errara o chute. Depois, com calma, percebi o engano. Os craques
inventam e surpreendem.
Não me canso de rever o passe
do Kleberson, a deixada do Rivaldo e a conclusão perfeita e consciente do Ronaldo na final contra
a Alemanha, em 2002.
Não me canso de lembrar, já
que há poucas imagens, os jogos
mais bonitos do mundo entre
Santos e Botafogo, nos anos 60.
De um lado, Pelé, Pepe, Coutinho,
Zito, Gilmar. Do outro, Garrincha, Didi, Nilton Santos e Zagallo.
Não me canso de lembrar os
melhores momentos que vivi no
Cruzeiro, como as duas vitórias
na final contra o Santos pela Taça
Brasil de 66, por 6 a 2 e 3 a 2. Não
esqueço o gol do Dirceu Lopes, no
Mineirão, num chute de fora da
área. O extraordinário goleiro
Gilmar foi na bola e ficou de joelhos, agarrado na trave.
Não me canso de rever e de lembrar tantos lances e belos gols, em
todos os tipos de campeonatos,
em todos os lugares do mundo,
feitos por esses e outros craques
inesquecíveis. O gol de Maradona
na Copa de 86, contra a Inglaterra, é um dos mais belos da historia do futebol.
Precisaria de dezenas de crônicas para descrever tantos momentos inesquecíveis. Temos
sempre de lembrar que o futebol,
antes de ser uma competição, um
jogo de técnica e de tática, é um
esporte lúdico, belo e emocionante. Os lances espetaculares são os
que ficam na história.
E-mail
tostao.folha@uol.com.br
Texto Anterior: Motociclismo: Piloto japonês morre após 13 dias em coma Próximo Texto: Automobilismo: Irmãos Schumacher podem faltar a GP Índice
|