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Soberano na delegação que foi ao último Pan, clube viu o mais ambicioso projeto olímpico da história do país ruir e hoje enfrenta na Justiça processos de ex-atletas
C.R. ex-Vasco
DA REPORTAGEM LOCAL
Parecia sonho. Ótimos salários,
contratos longevos, estrutura para disputar os principais torneios
internacionais. Tudo o que os
atletas dos esportes ditos amadores jamais tinham visto no Brasil.
Era mesmo sonho, e a bonança
durou pouco. Quatro anos após
ter lançado o mais ambicioso projeto olímpico da história do país,
o Clube de Regatas Vasco da Gama ainda precisa cuidar das cicatrizes que a empreitada causou.
Com salários atrasados e muito
ressentimento, os ex-atletas reclamam que ainda não receberam
tudo o que o clube lhes devia, e alguns decidiram recorrer à Justiça.
A situação atual contrasta, e
muito, com o fôlego que a agremiação exibia às vésperas do Pan
de Winnipeg-99. Com investimento anual de R$ 17,8 milhões
-três vezes mais do que o governo federal cedeu ao esporte no
mesmo período-, o Vasco havia
arrebanhado a esmagadora maioria dos atletas de ponta do Brasil.
Mais de 30 modalidades contavam com representação do clube,
algumas pouco convencionais,
como boliche, bodyboarding,
windsurfe, rodeio e até rali. As categorias paraolímpicas também
foram contempladas.
O Vasco era responsável por 160
dos 436 atletas que integraram a
delegação brasileira no evento canadense. Nunca um clube foi tão
soberano nas seleções amadoras.
Em 2000, ano da Olimpíada, os
investimentos foram potencializados. As despesas atingiram a cifra de R$ 30 milhões, mais do que
o dinheiro desembolsado pelo
Comitê Olímpico Brasileiro, que
estancou em R$ 23 milhões.
O Vasco enviou 83 atletas aos
Jogos de Sydney, dos quais 19 voltaram ao país com medalha. "A
maioria dos atletas da seleção brasileira era do Vasco. Lamentavelmente, os poderes constituídos
não colocaram a importância do
projeto acima de vaidades pessoais", diz Hélio Rubens, ex-técnico do time de basquete e antigo
coordenador do projeto olímpico
do clube de São Januário.
Mas, logo depois dos Jogos, a
ilusão começou a se desfazer.
Apesar de o homem forte da agremiação, Eurico Miranda, ter dito
que nenhum atleta debandaria,
menos de dois meses após o evento começaram as reclamações por
atraso nos salários. Um a um, os
competidores deixaram o Vasco.
"Não tínhamos ajuda de ninguém, do governo, do COB, nada,
nada. O jeito era tirar do futebol
para investir. Só que, quando o
futebol não dá, você corta tudo",
diz Eurico, que hoje ocupa a presidência do time de São Januário.
A crítica atinge basicamente os
gestores do esporte olímpico do
Brasil, que, na sua visão, não dedicam a atenção que deveriam ao
papel dos clubes como formadores de atletas.
"É por isso que defendo tanto o
interesse dos clubes. Nos esportes
olímpicos, tenha uma certeza: eles
não aparecem, mas são eles que
trabalham", critica.
O dirigente lembra que a parceria com o Bank of America começou a fazer água e os investimentos em atletas de alto nível foram
para o espaço -com eles, carreira e finanças dos competidores.
Nos tribunais
Sem ter recebido até hoje do
Vasco mais de R$ 4.500, e com os
pais doentes, o boxeador Laudelino Barros, 28, não teve outra solução senão vender na semana retrasada um terreno que possuía
no município de Alto Alegre (502
km a noroeste de São Paulo).
"Por causa do momento de necessidade, vendi o terreno bem
mais barato, uns 30% a menos do
que valia, para poder financiar o
tratamento do meu pai e a radioterapia de minha mãe, que está
com câncer", lamenta o meio-pesado, prata em Winnipeg-99.
O boxeador mostrou estar disposto a entrar na Justiça para receber seu dinheiro. "Quero tudo o
que é meu... Vou pôr [o Vasco] no
pau. E o Vasco está devendo para
pelo menos mais uns três lutadores", afirmou Barros, que há quatro meses sobrevive com a bolsa
que ganhou por seu último combate e com o apoio da Udiaço,
empresa que o patrocina.
A judoca Vânia Ishii, 29, ouro
em Winnipeg, alega não ter recebido um valor ainda maior, R$ 30
mil, ou o correspondente a um
ano de salários. ""Fora os bichos",
acrescenta. "Vou procurar um
advogado para mover uma ação
contra o Vasco. Mas não quero
passar por esse tipo de estresse
neste momento, porque tem o
Pan aí [em agosto]. Agora quero
só treinar e tomar as providências
sobre essa dívida depois, mas não
posso descuidar, pois para isso
tem um prazo, não?"
O maior processo foi movido
pela antiga equipe de atletismo da
Funilense, que ficou com R$ 160
mil a receber do Vasco, referente a
quatro meses de salários.
"Os atletas foram pagos por nós
e, hoje, o clube move ação na Justiça. Eles ofereceram um imóvel
em São Januário, mas não aceitamos. Nosso advogado pediu a
renda dos jogos para quitar a dívida", conta Sérgio Coutinho Nogueira, na época presidente da
Funilense, atual BM&F.
Quase todo o time de basquete
bicampeão nacional e da Liga Sul-Americana também foi aos tribunais contra o clube. Demétrius,
Chuí, Rogério, Aylton, Helinho e
Sandro Varejão, base daquele time vitorioso, reivindicam o pagamento de dívidas antigas. "A primeira audiência será no dia 13 de
agosto. Não poderei ir, mas já fiz
procuração", conta Demétrius,
que defenderá a seleção no Pan.
O que sobrou de todo esse fuzuê
nos bastidores é um quadro no
mínimo desolador. Para Santo
Domingo, o antes soberano Vasco não deve mandar mais do que
dois minguados representantes.
Enquanto isso, um exército de
ex-atletas do clube segue para a
República Dominicana. Vivem
uma nova realidade. O sonho
dourado acabou.
(ADALBERTO LEISTER FILHO, EDUARDO OHATA, GUILHERME
ROSEGUINI E JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO)
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